Arquivo da categoria: X. SOBRE O SÍTIO

na rede

Seja bem vinda, seja bem vindo!

O berço dos indígenas desta parte da América parece ter sido a tipoia ou faixa de pano prendendo a criança às costas da mãe, e a rede pequena. {…} É interessante para os brasileiros o fato de que a rede ameríndia para adultos – cama ambulante e móvel – tornou-se conhecida na Europa ou, pelo menso, na Inglaterra, sob o nome de “cama brasileira” (“Brazil bed“). […]

A rede, entretanto, pode ser considerada manifestação já artística do gosto de repouso combinado com o prazer do movimento, que se comunicou dos indígenas da América aos primeiros conquistadores europeus do continente, entre os quais o próprio Cristóvão Colombo em 1492.

Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala, 1933 (2006, p. 248)

Gilberto Freire observou na rede que nos é tão acolhedora em seu balanço arcaico e cadenciado, quase hipnótico, o presente e o ausente de conteúdos culturais de longa duração, heranças de outros tempos de nossa hibridização cultural e signos duros de nossas contradições.

Podemos começar então usufruindo com cuidado o estar na rede. Bem, temos muito o que aprender sobre as redes que nos conectam – corpos e imaginação -, essas tão agradáveis, de tempos antigos, do descanso e da sociabilidade, e essas dos tempos presentes, 24/7, teias de consumo da individualidade e do privado e de esquecimento do sentido público e coletivo, quando tudo, inclusive o corpo, as vontades, os desejos e a política são mercadorias voláteis, sob o olhar contínuo (de si mesmo) e o medo do esquecimento.

Sim, também teias de circulação de informações e ideias, de todos os tempos, que enredam-nos e se interconectam sem desvelar seus tempos ou lugares, em um jogo em que revelam-se e escondem-se em pontos inimagináveis. Explicitam-nos, enquanto tentamos desvendá-las ou simplesmente navegá-las. Observam, enquanto as observamos. São ainda redes sobre abismos imensos, sobre os quais não necessariamente tecem pontes, aumentando assim distâncias e separações das margens que, ao mesmo tempo, aqui e ali, quase se tocam. Temos agora que reler e ressignificar essas novas redes e as antigas, de um modo mais humano e mais justo.

Portanto, este projeto não é seu conteúdo, mas sua síntese e vivência inacabadas, em indagação. Mas pretende ser também um repositório em processo. Neste sítio você vai encontrar minhas indagações povoando as disciplinas que ofereço e seus conteúdos programáticos, minhas pesquisas, projetos e publicações, aprendizado em paisagens partilhadas com outros em uma persistente busca de transformá-las com sentido público e solidário, estudos em história da cultura, material de apoio didático e minha trajetória poética na natureza e no tempo através de labirintos e horizontes dos sonhos e do aprendizado e muito +.

Vamos visitar os mesmos lugares em tempos diferentes, indagar as mudanças de significação, os esforços coletivos, as permanências e compreender paisagens para transformá-las.

Euler Sandeville Jr., fevereiro de 2023

Fazenda Santa Teresa do Alto, foto de Euler Sandeville, 1912, de um ângulo próximo ao retratado nas próximas imagens, mas as ausências e mudanças revelam muito sobre as distâncias a partir das quais contemplamos e discutimos as paisagens de hoje, de ontem hoje, e as que desejamos de hoje para nosso amanhã

vamos estudar as Representações do Brasil,

Oswald e Tarsila na rede na Fazenda Santa Teresa do Alto, s/d

estudar processos colaborativos,

Da direita para a esquerda: Dulce (a primeira), Oswald (o terceiro), Tarsila (a quarta), Mario (o quinto, na janela) na Fazenda Santa Teresa do Alto, s/d

ter acesso a publicações,

Mário na rede (Lasar Segall, 1929. Ponta-seca sobre papel, 32 x 25,5 cm. Acervo Museu Lasar Segall

compreender as persistências que reinterpretamos,

Ilustração de Carybé para o livro macunaíma, de Mário de Andrade. De uma série de ilustrações em bico de pena e nanquim feitas em 1943 para uma edição do livro, que não chegou a ser publicada, e foram retomada em uma edição de 1978 pela EDUSP.

percebendo a longa duração dinâmica das representações.

Figure des Brasiliens (n “Festa dos Brasileiros”), Rouen, 1550, quando da entrada do rei Henrique II e sua esposa, Catarina de Médici na cidade em 1° e 2 de outubro de 1550. “Realizaram-se encenações que envolveram cerca de 50 indígenas trazidos da colônia do Brasil, além de 250 marinheiros normandos e bretões habituados à terra nova e falantes de tupi, postos como figurantes fantasiados de silvícolas, e mulheres francesas (alguns apontam como prostitutas locais) nos papéis femininos.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Festa_brasileira_de_Rouen_em_1550).

Mas essas não são as únicas redes que devem nos acolher e atrair os nosso olhar. Há também as redes do trabalho conjunto desse imenso e contraditório habitar humano a paisagem, que devem nos fazer pensar quais redes devemos puxar e a dimensão histórica e contemporânea dos desafios que temos de enfrentar e superar, com criatividade, afeto, esforço e solidariedade, partindo de novos esboços da realidade,

João Cândido Portinari, Puxada da Rede, caderno de esboço do artista com caneta-tinteiro-32x24cm, Rio de Janeiro, Sem assinatura e sem data 1959. Disponível em https://artsandculture.google.com/asset/pulling-in-the-net/hwGXzcf623Qarw?hl=pt-br

para saber mais sobre o sítio ensino e pesquisa e o projeto biosphera21 vá para apresentação do sítio na seção sobre

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Para citar:

SANDEVILLE JR., Euler. (Euler Sandeville) na rede. São Paulo: Ensino e Pesquisa [projeto Biosphera21] on line, 2023.

apresentação

Ensino e Pesquisa é o portal do projeto Biosphera21, envolvendo estudos relacionados à história da cultura, ensino e pesquisa, fé cristã e espiritualidade, poéticas, segundo valores e conteúdos apresentados neste sítio, voltado para valores éticos e sensíveis do desenvolvimento humano.

    O Este mundo está em guerra, embora muitos de nós desejem e busquem a paz.

    O mundo que ajudarmos a construir, sabendo disso ou não, é aquele em que viveremos. O mundo não será diferente das atitudes que tomamos.

    O saber quando não humaniza deprava. Refina o crime e torna mais degradante a covardia. (Mikhail Bakunin?)

    Ao reunir progressivamente neste sítio mais de 40 anos de trabalho, a ideia não é apenas ser um repositório; o próprio sítio é pensado como um ambiente poético, de ensino e pesquisa, formação, reflexão e desenvolvimento de projetos. Tem como foco central a crítica da cultura contemporânea em sua historicidade, o estudo da sabedoria ancestral judaico-cristã, a recusa dos fundamentalismos políticos, a busca de uma postura não alinhada com ditames ideológicos e partidários de quaisquer vertentes, a recusa das formas de violência, preconceito e injustiça.

    Olhando em retrospectiva, basicamente meus trabalhos estão organizados em duas linhas principais de indagação e ação:

    O sinal indica que o conteúdo abrirá em outra página ou janela do navegador.

    1. Os estudos históricos e culturais se fundam em uma perspectiva crítica e de longa duração das visões de mundo e da natureza, da condição humana.
    2. Os processos de compreensão e intervenção nas paisagens se fundam em princípios éticos e colaborativos de construção de conhecimentos e solução de problemas, de promoção da justiça social e de qualificação do ambiente comum.

    Nossa aventura é a indagação em percurso da condição humana em nossa breve e intensa experiência de existirmos em transformação no mundo, nossa necessidade de construção de significados e buscas de respostas, nossas dificuldades e possibilidades de uma melhor coexistência, nosso reconhecimento de que existimos em uma condição que transcende a nós mesmos, como transcende infinitamente e o que supomos conhecer.

    Viver em sociedade, ou simplesmente viver, é aprender entre outros. Nós nos formamos entre outros, em relação com outros; a existência é uma condição relacional. Silenciarmos as razões e significados de nossa aprendizagem não emudece nem oculta a realidade de nosso processo de aprendizagem uns com os outros, entre outros, nem a natureza de nossas relações e suas dificuldades. Nosso descuido com esse processo não suprime a aprendizagem nem camufla a realidade, apenas as qualificam mal e condiciona mal o processo educativo em que nos formamos entre outros.

    Inversamente, qualificarmos ética e solidariamente nosso processo de aprendizagem, de existir e aprender no mundo transformando-o a partir de valores serenos e duradouros, é um desafio educativo de primeira necessidade. Daí porque a persistência

    • na qualidade de nosso fazer e nosso aprender,
    • na solidariedade em nossas relações,
    • no aprendizado que se faz na prática de reconhecer e abandonar os erros tanto quanto de reconhecer e fortalecer os princípios,
    • na busca de profundidade do pensamento e das relações,

    embora não sejam coisas fáceis e demandem longo e verdadeiro aprendizado, são hoje buscas e valores mais do que necessários inclusive em nossa ação profissional, são um esforço de concreto de resistência à banalização da vida humana e de resgate da esperança e da confiança em relações melhores na transformação do nosso mundo.

    Todos nós sabemos que o processo educativo não se restringe à escola, de modo que todo nosso processo existencial e relacional urge ser repensado com solidariedade, com afeto, com responsabilidade, com profundidade. As nossas escolas revelam tanto de nossa sociedade quanto nossas paisagens, esses espaços de convivência e de formação mútua do qual não podemos nos esquivar. Por isso, mesmo sabendo que o processo educativo não se restringe à escola, mas que ela é um espaço privilegiado de formação e realização de possibilidades humanas, abri minha Livre Docência desta forma:

    “Imagino na entrada das universidades um monumento aos alunos sem nome dos ciclos básicos. Seguramente acompanhado do monumento aos professores sem nome. Estas são pessoas muito importantes, às quais não se dá importância alguma, senão quase que só numérica, no país. Esse monumento tem muita razão de ser, e é invisível, como os humanos aos quais é dedicado. É construído com ideias e afetos, com ações e experimentações. Tem uma espacialidade que se estende como uma respiração através de todos os meandros da instituição, reanimando as pessoas que estão sedentas de ar puro. Não com matéria, nem certificados, nem com registros. É criado animado por um espírito livre, como um sopro quase imperceptível, como passa imperceptível a multidão à qual se refere (dezenas de milhões!). Este monumento sem nome, deve nos lembrar uma espiral em busca da sua verdade com e diante dos outros, solidária: aprendizado.”
    Euler Sandeville Jr. Paisagens Partilhadas. São Paulo: Tese de Livre  Docência, FAU USP, 2011.

    este mundo está em guerra, embora muitos de nós desejem e busquem a paz;
    busquemos a paz

    Aprender entre outros, uns com os outros, para gerar ideias de ações melhores para o Século 21.
    O mundo que ajudarmos a construir, sabendo disso ou não, é aquele em que viveremos.
    O mundo não será diferente das atitudes que tomamos.

    Animação de Euler Sandeville, provável 2001

    É muito conhecida a frase de Gandhi: “Precisamos ser a mudança que queremos ver no mundo”. Mas nem sempre as pessoas pensam que não ser essa mudança é ser um pouco daquilo que não gostamos de ver no mundo.

    The Blue Marble: Terra, 7 de dezembro de 1972, da Apollo 17 a 45 000 km da Terra. Imagem editada em escalas de cinza.

    EIXOS TEMÁTICOS DE PESQUISA DOCENTE

    EIXOS DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO
    Euler Sandeville Jr., 2018, 2020, 2023

    Com base em meus objetivos acadêmicos e de ação na realidade e com o caminho já percorrido, atualmente tenho alguns eixos principais de desenvolvimento, sendo que os dois primeiros correspondem às linhas de pesquisa que atravessam toda minha carreira e se desdobram nos quatro eixos propostos que se realizam em diversos projetos:

    1. Desenvolver estudos críticos e poéticos em História da Cultura e da Paisagem:

    Contribuir para um debate ativo da cultura contemporânea entendida em seu sentido histórico e da transformação do espaço e da construção de valores e práticas implicadas nesses processos socais, suas formas de apropriação, valoração e gestão.

    Realizar estudos sobre as poéticas e representações sociais da cidade e da natureza, procurando discutir como contribuem ou inibem a renovação das sensibilidades, as visões de mundo que mobilizam, as estratégias de resistência, as afetividades e processos criativos.

    2. Desenvolver estudos colaborativos para entendimento e transformação das relações sociais, interpessoais e das paisagens comuns em que habitamos, considerando sua dimensão natural, histórica, social e vivencial:

    Acolher, incentivar, aprofundar e orientar estudos acadêmicos de construção de conhecimentos segundo as linhas de pesquisa docente e construir com parceiros internos e externos programas de ação social, aprendizagem e ensino, segundo os valores fundamentais postulados nos princípios aqui defendidos.

    Valorizar em todos esses trabalhos as formas de conhecimento acadêmico, as dimensões poéticas e as relação sensíveis e éticas com a natureza, com as paisagens e com os viventes que as significam e transformam com suas vidas.

    Realizar estudos inter e transdisciplinares sobre as diversas abordagens da paisagem nas artes, nas ciências e nas formas de construção e gestão do território e contribuir com esforços no sentido de uma história colaborativa da paisagem e da memória social a partir das narrativas de vida e das pesquisas históricas.

    3. Desenvolver programas e projetos de ensino e formação especialmente em cooperação com escolas públicas

    Estruturar, como esforço metodológico ao lado da aproximação histórica, as pesquisas e ações, de modo a correlacionar a investigação das estruturas urbanas e ambientais com estudos colaborativos locais, com atenção às interações escalares dos processos implicados.

    Colocar em discussão a cultura de produção do espaço urbano, do habitar e das formas de sociabilidade e gestão, visando contextualizar a compreensão de processos espaciais implicados nos projetos e processos de configuração locais.

    Gerar e participar de ações colaborativas e poéticas de produção de conhecimento, formação e ação transformadora, em processos experimentais e sensíveis dos modos de existir na paisagem e no ambiente entre outros.

    Espera-se contribuir na fundamentação e construção de processos livres na transformação do ambiente, sobretudo a partir da ação no âmbito cultural , do aprendizado e da educação, da construção solidária e dialógica de conhecimentos.

    4. Estudos judaico-cristãos: história, espaço e cultura

    São estudos em sua longa duração da fé e das tradições através de ensaios temáticos onde temos o conteúdo das Escrituras, o espaço e experiência do sagrado e do transcendente, as dimensões da devoção e da adoração, mas também os da organização social e dos modos de viver e conviver no privado e no público, nas comunidades de fé e suas inserções mais amplas, as territorialidades e tensões culturais implicadas.

    O que caracteriza o tempo que vivemos e o diferencia? Qual a duração das permanências e sua transformação? O que é contemporâneo? Sucessivos pontos de partida ou retorno definem os estudos, alguns de natureza milenar, mas sempre tendo como um ponto de inflexão o período entre o Iluminismo e o penúltimo quarto do século XIX e o período a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Emergem questões subjetivas e sociais intensas, comprometidas com a dimensão coletiva da ética, da justiça, dos afetos; emergem visões da natureza e da sociedade, bem como do sentido da vida na construção de visões de mundo, da história, do devir humano, em um mundo contemporâneo a elas que também é de incompreensão, indiferença e violência, disputa pelo poder político na construção dos sentidos na tecitura do social, de suas instituições.

    No momento, são duas as ênfases de indagação: HISTÓRIA DA RELIGIÃO E DA ARTE CRISTÃ e RELIGIÃO, MUNDO CONTEMPORÂNEO E ESFERAS PÚBLICAS. Esta última, em especial configura-se como uma indagação existencial e intelectual diante de configurações e contradições intensas contemporâneas, em perspectiva exploratória, que pretende-se venha a convergir em etapas e procedimentos de pesquisa. O tema é polêmico e necessariamente inquietante no momento atual, ao tocar em pontos sensíveis e extremamente disputados e conflitivos da cultura, das práticas e disputas políticas contemporâneas, recebendo bastante atenção em estudos acadêmicos, teológicos, organizações políticas e nos meios de comunicação.


    para citar este artigo:

    SANDEVILLE JR., Euler. “Eixos temáticos de pesquisa docente, desenvolvimento e ação”. Ensino e pesquisa / Biosphera21, on line, 2018, 2020, 2023.

    FÉ E SABEDORIA

    Euler Sandeville Jr., novembro de 2019

    os princípios humanistas e as religiões

    Os princípios humanistas que inspiram muitas das pautas éticas e de direitos mais gerais nas sociedades contemporâneas, desde o final do século XVIII em diante, têm suas origens no melhor das religiões mais antigas do planeta. Em especial, na cristã, com a máxima de amar a Deus e ao próximo. O que não temos feito, quando, além de não o fazermos, temos rejeitado a ideia de amar, em palavras e atos individuais e sociais. O que os modernos e contemporâneos fizeram foi purgar esses valores do sobrenatural e dar-lhes uma versão e institucionalização civil e laica, além de supostamente universal. Assim adaptados e reinventados, e subordinados ao imediato do visível e do material, passam a ser um constituinte fundamental dos direitos atuais.

    Entretanto, há diferenças profundas entre as formas modernas e as dos antigos.

    Dada a emergência da sociedade urbana e capitalista e nela da sociedade de consumo, com suas disputas entre acumulação exacerbada e direito civil ou coletivo e as ilusões do poder colocando-se na disputa pelas consciências e pelo controle, nós estamos profundamente marcados por ideias como progresso, sucesso pessoal, individualismo, realização pessoal dos desejos e ambições, etc. Esses valores, que coexistem na dissolução de todos os valores e certezas na pós-modernidade, estão profundamente vinculados a um imaginário materialista e violento, superficial, e de desempenho performático contínuo.

    A ciência, a filosofia, a política, as religiões, se podem nos ajudar na construção de valores éticos e meios de ação concreta, não legaram a construção de uma condição social com o respeito básico que devemos uns aos outros nesta jornada pelo tempo, nessa magnífica bola azul em que viajamos pelo cosmo na brevidade de nossas vidas. Infelizmente, não raro, os saberes e práticas humanos fizeram exatamente o contrário. Nossa ciência pode recriar muitos fenômenos da natureza, mas não aprendemos a controlar os resultados, consequências e desdobramentos sociais dessa ciência e técnica. Em nosso tempo impera a violência, a injustiça, a mutilação pela guerra e pela miséria, a corrupção, a destruição da terra que habitamos, embora, muitos de nós, ao contrário, valorizem a paz, a ética, a solidariedade, a justiça.

    a sabedoria dos antigos

    A sabedoria dos antigos, entretanto, difere muito dessa condição moderna e pós-moderna. Jamais é livresca ou individualista, presa a externalidades, como a dos modernos. Para os antigos, tal condição seria a negação da ideia e significação da sabedoria. Nesse sentido, se esses valores milenares puderam inspirar o humanismo, sua fonte é outra. De um modo geral, na sabedoria dos antigos não há cisão entre sabedoria e conhecimento e nem entre estes e a vivência. A erudição, os saberes e habilidades podem ter sua sedução e interesse, mas certamente não são sabedoria nem são conhecimento válido.

    A sabedoria é uma condição que se verifica na prática, no existir e no existindo; qualquer dissociação dessa condição soaria para os antigos como uma loucura ou cinismo. Eram perfeitos? Não, como nós também não somos. Eram humanos. A sabedoria não é um ato de heróis ou super-homens, ou grandes intelectuais ou pessoas com talentos especiais; é uma condição que pode ser construída apenas longamente em nossa existência, com simplicidade e humildade, tanto quanto com firmeza e consciência.

    Assim, ainda que eu coloque nas minhas práticas princípios norteadores e entendimentos de nucleação cognitiva que devem orientar meus vínculos sociais em minha incompletude existencial, minha motivação íntima é arcaica, das sabedorias milenares. Em especial, é cristã. Dado o tempo que estamos vivendo, talvez seja necessário retomar os valores e sentidos primeiros desta palavra, que não tinha a ver com a religião, nem com o comportamento e seus ritos laicos ou sagrados, mas com a fé e com o âmago do ser. Essa é uma condição íntima, daquele que a tem. Não é transferível, não há como ser imposta.

    a fé é uma condição espiritual

    Parece-me então justo apresentar aqui a fé que me move e me define, que se realiza na confiança e no amor ao Senhor, nosso Deus, em Cristo Jesus, sacrifício para a nossa redenção e ressurreto. Essa é minha condição mais profunda. Isso ensina-me a humildade do Evangelho.

    Sendo assim, devo dizer que a fé é uma condição espiritual muito distinta da religião, porque esta última geralmente se define através de sistemas de organização eclesiástica, litúrgica, normativa e comportamental, de méritos pessoais e até de aparências, o que pode ocorrer havendo ou não fé e pode tornar-se facilmente, pelo costume ou pela indiferença, uma realidade que se sobrepõe e pode até mesmo negar o Espírito das Escrituras.

    Mas, se não são as regras e normas da religião nem seus ritos e representações simbólicas e rituais do sagrado, então, segundo as Escrituras, o que define a fé, o ser cristão?

    É uma postura diante de Deus e de Jesus na oração e na leitura permanente das Escrituras, na devoção ao nosso Criador e de todas as coisas e seres que existem, na comunhão com Ele por meio de Jesus Cristo, segundo a máxima de amar Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, na vida em comum com os irmãos, tão imperfeitos como nós mesmos somos. Há apenas e unicamente dois ritos na fé cristã, que devem estar ancorados nessa sabedoria vivida e praticada e cujo valor não está neles mesmos, mas na comunhão com Deus: o batismo quando da conversão e a ceia em memória do sacrifício e da ressurreição de Jesus, quando nos reunimos em comunhão em Cristo entre os irmãos.

    a fé, a intimidade com Deus e os atos

    Assim, devo dizer que a fé não é um ideal de conduta. O que ocorre é que, o amor a Deus e à Sua Revelação, nos coloca a desejar uma conduta conforme a sabedoria, o amor e a justiça revelada nas Escrituras. O que nos traz uma consciência nada fácil de nossa imperfeição e incompletude, a par das possibilidades das virtudes. Apenas por isso há a vontade de superarmo-nos no decorrer da vida.

    É nessa condição em que, consciente ou inconscientemente, a par da vontade de acertar e dos acertos que alcançamos, tecemos nossos erros de alvo em nossa relação com Deus e daí em relação ao outro; é o que chamamos de pecado. Ou seja, estamos sempre aprendendo e buscando transformar nossas práticas a partir da consciência de nossos erros, movidos nessa busca pelo amor a Deus. A essa de mudança de direção em que nos reorientamos a Deus e ao próximo chamamos de arrependimento, condição que é muito distinta da culpa.

    Resta ainda dizer que não construiremos um mundo melhor destruindo este. Simplesmente, não somos capazes de recriá-lo. Além disso, há a implicação ética de estarmos destruindo um planeta que habitamos por tão pouco tempo, que não podemos recriar, que não fomos nós que criamos. Para qualquer pessoa deveria soar como um absurdo completo a destruição dessa natureza e da vida humana, e o para cristão, essa condição é o pecado. A confiança depositada no livro do Gênesis para que cuidássemos, governássemos sobre o planeta, não é uma autorização para a ação despótica, pois esta é sempre condenada nas Escrituras, na Lei, nos Profetas e nos Livros de Sabedoria, como também nos Evangelhos. O pecado contra a criação de Deus e contra os seres por Ele criados é um pecado e ofensa a Deus e uma irresponsabilidade conosco mesmo.

    Por isso, a sabedoria das Escrituras não pode ser livresca, emana do conhecimento de Deus e do amor e submissão a Ele, ainda que haja igualmente a rebeldia e a violência em nosso coração. A sabedoria não é algo que se aprende pelo ensino, pela aquisição de conhecimento, mas é um longo e nada linear aprendizado de vida. É necessário, de uma vez por todas, reconhecer que o que chamamos de ocidente – essa condição tão recente na história humana – está em contradição com as Escrituras, cuja origem, além de oriental, é milenar.

    Foto de Euler Sandeville Jr., 2011, remador

    eixos propositivos

    I. promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia, justiça e equidade social, da tolerância e do respeito e de outros valores públicos e coletivos;

    II. promoção de processos de planejamento, recuperação e conservação da paisagem, do ambiente e do patrimônio cultural, da gestão compartilhada de recursos e da aprendizagem e participação social;

    III. promoção do resgate e valorização da memória e da compreensão histórica dos processos de transformação da paisagem e do patrimônio coletivo que abriga;

    IV. promoção do desenvolvimento humano, econômico e social, do acesso à educação e pesquisa, da compreensão dos processos históricos e das configurações contemporâneas e dos processos socioambientais;

    V. promoção do conhecimento das Escrituras, do estudo crítico da história da igreja, da prática do amor cristão, na busca por Deus e na fruição sensível da criação que nos confiou e na qual existimos.

    VI. promoção de ações e programas que reverberem para camadas de baixa e média renda, em atividades de ensino e na formação de novos pesquisadores e educadores e para geração de renda, que contribuam para o combate à pobreza e a capacitação e locação de quadros profissionais, agentes sociais, agentes multiplicadores e para a constituição e aprimoramento de organizações, comprometidos com esses valores, com a ação social e o desenvolvimento de políticas pũblicas;

    VII. promoção de intercâmbio entre profissionais, entidades de pesquisa, organizações civis, universidades, instituições públicas e outras, bem como publicação e edição em quaisquer mídias de material técnico-científico, cultural, artístico e de apoio educacional ou de difusão, convergentes a essas finalidades.

    BIOSPHERA21-mapa mental. Org. Euler Sandeville Jr., 2019

    Euler Sandeville

    Bactris hirta Mart. [as Bactris unaensis Barb. Rodr.]. Barbosa Rodrigues, J..Sertum palmarum brasiliensium, vol. 2: t. 17 (1903)

    Euler Sandeville Jr.

    Professor Livre Docente pela USP

    Professor Sênior da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (2021-2022 AUP-Departamento de Projeto, 2023-2024 AUH-Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto) e Professor Orientador do Programa de Pós-Graduação da FAU USP (desde 2002).

    Membro dos Grupos de Pesquisa registrados no CNPQ: Núcleo de Estudos da Paisagem (coordenador, FAU USP) e grupo Arqueologia da Paisagem (FAU/FFLCH US)


    Livre Docente em Paisagem e Ambiente, Arquitetura e urbanismo
    Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas
    Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas
    Pós em História da Igreja e da Teologia (…)
    Pós em Estudos Bíblicos e Pastorais (…)
    Pós-graduação em Ecologia
    Arquiteto e Urbanista
    Arte Educador
    Poeta

    nucleação cognitiva

    Adotamos a seguinte nucleação cognitiva, buscando atitudes que promovam a paz, com inspiração de valores humanistas e solidários.

    A conceituação proposta refere-se sobretudo aos processos do Projeto Biosphera21 e de ações educativas, principalmente ligados a essa linha de atividades. Os estudos históricos, embora se beneficiem dessa proposição, demandam outros aspectos que não são tratados aqui. Nucleação cognitiva é uma conceituação desenvolvida por Euler Sandeville e se aproxima da ideia de campos de irradiação ↑, mais do que daquela de conceito, ancorada na ideia de limites. A ideia de campo suscita o imaginário, os valores, a interatividade relacional de possibilidades e o extravasamento interativo dos campos.

    É necessário contribuir no debate do contemporâneo com uma postura crítica e, por isso mesmo, procuramos não reproduzir a hipervalorização e autonomização da individualidade da modernidade, nem a incerteza anticognitiva com a fragmentação das pautas e perda de significado das narrativas da pós-modernidade. Em especial, recusa-se a separação nociva entre a prática e o conhecimento. Não são a proposição de um ideal pronto, instantâneo, nem se pretendem imunes ao erro, tão características das dicotomias modernas.

    • a paisagem é entendida em sua materialidade e sua morfologia, em suas dinâmicas e processos ambientais, como experiência partilhada social, cultural e existencialmente, e portanto como uma condição de ser no mundo, articulando esferas da subjetividade, do simbólico, da sociabilidade no cotidiano, e dos tempos nos quais a paisagem se forma como herança e patrimônio coletivo que nos transcende, mas que é também um futuro que vamos definindo com nossas ações, sendo todos coautores de seu destino; é assim a materialização contraditória de nossas desigualdades e brutalidades, de nossas esperanças e impossibilidades morais, de nossas ilusões materiais e de nossas sensibilidades.
    • a cidade é pensada como processo de educação ativa e de construção de conhecimentos e de práticas coletivas, que não se dissocia das condições naturais e significa-se diante das poéticas da natureza e do trabalho com suas contradições, suas permanências e transformação, abrigando as possibilidades de realização e sonho do habitar o nosso mundo, o nosso tempo; é entendida também como estrutura urbana e territorial decorrente de uma produção desigual e injusta do espaço humano habitado e sua história.
    • a memória, a imaginação e a história são percebidas como constituintes ativos do mundo em transformação, e portanto, criativos: são essenciais à percepção e transformação de nossas práticas sociais ou à sua reprodução, ao mesmo tempo em que geram escrituras e representações sobre o passado e o presente, que indicam nosso lugar desejado no mundo e em nossa própria história (lugar que pode cegar-se pela luz intensa do presente lançada ao passado, que reduz o que dele nos alcança a uma zona sombria do que somos [2]), colocando questões éticas que são tão fundamentais quanto são difíceis aos seres em ação.
    • a arte é vivida como experiência sensível e cognitiva de descoberta de si e do outro no mundo, por meio de linguagens que podem ser dinâmicas e não lineares, carregadas de densidades subjetivas e desejos, de intencionalidades, mas é um processo também de construção de afetividades e de celebração; negativamente é de um hedonismo extremado, uma manifestação exacerbada de si e um esforço de submissão do coletivo à sua diferença: sua potência é a sensibilidade e a síntese perceptiva e narrativa mas, a par de sua potência, a arte é também uma ilusão vaidosa e fútil, cuja sedução é falar de alguma verdade da existência que escapa ao lugar comum.
    • a pesquisa é um processo aberto e experimental contínuo e não linear de conhecimento e posicionamento no mundo, que depende tanto da vivência quanto do acúmulo de conhecimentos e modos de conhecer os processos, sendo fundamentalmente aprendizado e partilha e que, portanto, deve sim alimentar-se de razões éticas e sensíveis, bem como de processos partilhados e participantes com aqueles a quem se refere a produção, divulgação e debate do conhecimento, o que contribui para seu alcance humano e social. A construção de conhecimento e essa crescente insanidade produtiva e normativa das instituições acadêmicas atuais pouco têm em comum, mas isso não deve nos cegar e nos tornar néscios ao ponto de não nos percebermos herdeiros de esforços imensos de gerações que nos antecederam, das quais somos devedores para o melhor e o pior, de modo possamos usufruir do conhecimento produzido. Convém lembrar a máxima de olhar o mundo sobre os ombros de gigantes, mas também convém atentar para o que se pisoteia pelo caminho ao se fazer isso e para aquilo que passa desapercebido no caminhar rápido dos passos largos se os gigantes re-apresentarem um mundo já pronto [3] ao qual o mundo da existência e das práticas apenas deva conformar-se.
    • a alegria, a satisfação, o amor, a amizade, o sonho, a confiança mútua são constituintes necessários de uma busca cognitiva que se pretenda relevante, que se comprometa com a dimensão humana e social dos nossos saberes, que é uma condição estética e ética, mas que só pode realizar-se concretamente na tensão das próprias contradições e potências como um longo processo de aprendizagem ativa entre e com outros; é também uma condição que se opera no conhecimento de Deus, na máxima dos evangelhos em que conhecer a Deus implica amar ao próximo.

    Euler Sandeville Jr, 2020 (primeira versão 2008).

    como citar:

    SANDEVILLE JR;, Euler. Nucleação cognitiva. Ensino e Pesquisa+Instituto da Paisagem, on line, 2020.

    campos de irradiação

    Euler Sandeville Jr.
    2020

    O que fazemos, sabendo ou não, irradia por muitos campos. Buscar que essas irradiações sejam consistentes e positivas é um desafio que deve ser pensado no conjunto das atividades, mesmo mais específicas. Trata-se de um grande desafio, como uma pedra atirada no lago, ultrapassando nossas decisões e a previsibilidade, daí a grandeza desse desafio.

    Esperamos a irradiação positiva de nossas atividades para campos mais amplos e menos imediatos, de longo prazo de construção e de contribuição. Organizamos esses campos em oito frentes integradas, cada uma delas a partir de cinco indicativos. A ideia de campo distancia-se da ideia de definição. Daí porque não visam o esgotamento das possibilidades, mas indicar campos amplos e integrativos que esperamos colocar em movimento ou contribuir conscientemente com nossas atividades.

    A ideia de definição, ou se preferirem o conceito, suscita a ideia de limites. A ideia de campo suscita o caminhar, o imaginário, os valores, a interatividade relacional de possibilidades e o extravasamento interativo dos campos. Veja também a proposição de nucleações cognitivas ↑ nesses campos de irradiação.

    Euler Sandeville Jr., 2020

    como citar:

    SANDEVILLE JR;, Euler. Campos de Irradiação. Ensino e Pesquisa+Biosphera21, on line, 2020.

    orientação didático pedagógica

    Os princípios didático-pedagógicos em nossas atividades de ensino, pesquisa, orientação e processos colaborativos e os valores éticos que buscamos como razão de nosso trabalho podem ser dispostos em cinco eixos fundamentais para nossos projetos e proposições:

    criatividade (sensibilização),

    investigação (construção),

    participação (integração solidária),

    compromisso social (ação efetiva),

    alegria e afetividade (vivência estética e ética)

      Esquema conceitual da Espiral da Sensibilidade e do Conhecimento, concepção Euler Sandeville Jr., 2002
      Animação de Euler Sandeville, provável 2001

      Aprender entre outros, uns com os outros, para gerar ideias de ações melhores para o Século 21.

      O presente está prenhe do que seremos: responsabilidades e promessas do devir.


      espiral da sensibilidade e do conhecimento
      um projeto de euler sandeville

      princípios

      Os meus trabalhos partilham os princípios da proposição da Espiral da Sensibilidade e do Conhecimento. Esses princípios devem ser aprimorados continuamente no aprendizado existencial.

      Esses princípios alimentam a construção das propostas didático-pedagógicas e dos eixos de desenvolvimento e ação