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Euler Sandeville Jr.

1601103 – 2023 – CULTURA, PAISAGEM E CIDADE

DISCIPLINA OPTATIVA DE GRADUAÇÃO INTERSEMESTRAL
Local: FAU Maranhão 1
Período de realização: 24 a 28 de julho, das 10:00 às 12:00 e das 14:00 às 18:00 hs.
DISCIPLINA OPTATIVA DE GRADUAÇÃO INTERSEMESTRAL
Local: FAU Maranhão 1
Período de realização: 24 a 28 de julho, das 10:00 às 12:00 e das 14:00 às 18:00 hs.
Inscrições de alunos de graduação da USP devem ser feitas na Secretaria do AUH

Professor responsável: Euler Sandeville Jr.
Convidados já confirmados: Nilson Ghirardello (UNESP Bauru), Doriane Azevedo (UFMT), Maria Cecilia Angileli (UNILA), Magdiel Silva e Victor Miyazaki (UFU)

Tema 2023: Estudo das configurações históricas das redes territoriais, suas paisagens e valorações.

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na rede

Seja bem vinda, seja bem vindo!

O berço dos indígenas desta parte da América parece ter sido a tipoia ou faixa de pano prendendo a criança às costas da mãe, e a rede pequena. {…} É interessante para os brasileiros o fato de que a rede ameríndia para adultos – cama ambulante e móvel – tornou-se conhecida na Europa ou, pelo menso, na Inglaterra, sob o nome de “cama brasileira” (“Brazil bed“). […]

A rede, entretanto, pode ser considerada manifestação já artística do gosto de repouso combinado com o prazer do movimento, que se comunicou dos indígenas da América aos primeiros conquistadores europeus do continente, entre os quais o próprio Cristóvão Colombo em 1492.

Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala, 1933 (2006, p. 248)

Gilberto Freire observou na rede que nos é tão acolhedora em seu balanço arcaico e cadenciado, quase hipnótico, o presente e o ausente de conteúdos culturais de longa duração, heranças de outros tempos de nossa hibridização cultural e signos duros de nossas contradições.

Podemos começar então usufruindo com cuidado o estar na rede. Bem, temos muito o que aprender sobre as redes que nos conectam – corpos e imaginação -, essas tão agradáveis, de tempos antigos, do descanso e da sociabilidade, e essas dos tempos presentes, 24/7, teias de consumo da individualidade e do privado e de esquecimento do sentido público e coletivo, quando tudo, inclusive o corpo, as vontades, os desejos e a política são mercadorias voláteis, sob o olhar contínuo (de si mesmo) e o medo do esquecimento.

Sim, também teias de circulação de informações e ideias, de todos os tempos, que enredam-nos e se interconectam sem desvelar seus tempos ou lugares, em um jogo em que revelam-se e escondem-se em pontos inimagináveis. Explicitam-nos, enquanto tentamos desvendá-las ou simplesmente navegá-las. Observam, enquanto as observamos. São ainda redes sobre abismos imensos, sobre os quais não necessariamente tecem pontes, aumentando assim distâncias e separações das margens que, ao mesmo tempo, aqui e ali, quase se tocam. Temos agora que reler e ressignificar essas novas redes e as antigas, de um modo mais humano e mais justo.

Portanto, este projeto não é seu conteúdo, mas sua síntese e vivência inacabadas, em indagação. Mas pretende ser também um repositório em processo. Neste sítio você vai encontrar minhas indagações povoando as disciplinas que ofereço e seus conteúdos programáticos, minhas pesquisas, projetos e publicações, aprendizado em paisagens partilhadas com outros em uma persistente busca de transformá-las com sentido público e solidário, estudos em história da cultura, material de apoio didático e minha trajetória poética na natureza e no tempo através de labirintos e horizontes dos sonhos e do aprendizado e muito +.

Vamos visitar os mesmos lugares em tempos diferentes, indagar as mudanças de significação, os esforços coletivos, as permanências e compreender paisagens para transformá-las.

Euler Sandeville Jr., fevereiro de 2023

Fazenda Santa Teresa do Alto, foto de Euler Sandeville, 1912, de um ângulo próximo ao retratado nas próximas imagens, mas as ausências e mudanças revelam muito sobre as distâncias a partir das quais contemplamos e discutimos as paisagens de hoje, de ontem hoje, e as que desejamos de hoje para nosso amanhã

vamos estudar as Representações do Brasil,

Oswald e Tarsila na rede na Fazenda Santa Teresa do Alto, s/d

estudar processos colaborativos,

Da direita para a esquerda: Dulce (a primeira), Oswald (o terceiro), Tarsila (a quarta), Mario (o quinto, na janela) na Fazenda Santa Teresa do Alto, s/d

ter acesso a publicações,

Mário na rede (Lasar Segall, 1929. Ponta-seca sobre papel, 32 x 25,5 cm. Acervo Museu Lasar Segall

compreender as persistências que reinterpretamos,

Ilustração de Carybé para o livro macunaíma, de Mário de Andrade. De uma série de ilustrações em bico de pena e nanquim feitas em 1943 para uma edição do livro, que não chegou a ser publicada, e foram retomada em uma edição de 1978 pela EDUSP.

percebendo a longa duração dinâmica das representações.

Figure des Brasiliens (n “Festa dos Brasileiros”), Rouen, 1550, quando da entrada do rei Henrique II e sua esposa, Catarina de Médici na cidade em 1° e 2 de outubro de 1550. “Realizaram-se encenações que envolveram cerca de 50 indígenas trazidos da colônia do Brasil, além de 250 marinheiros normandos e bretões habituados à terra nova e falantes de tupi, postos como figurantes fantasiados de silvícolas, e mulheres francesas (alguns apontam como prostitutas locais) nos papéis femininos.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Festa_brasileira_de_Rouen_em_1550).

Mas essas não são as únicas redes que devem nos acolher e atrair os nosso olhar. Há também as redes do trabalho conjunto desse imenso e contraditório habitar humano a paisagem, que devem nos fazer pensar quais redes devemos puxar e a dimensão histórica e contemporânea dos desafios que temos de enfrentar e superar, com criatividade, afeto, esforço e solidariedade, partindo de novos esboços da realidade,

João Cândido Portinari, Puxada da Rede, caderno de esboço do artista com caneta-tinteiro-32x24cm, Rio de Janeiro, Sem assinatura e sem data 1959. Disponível em https://artsandculture.google.com/asset/pulling-in-the-net/hwGXzcf623Qarw?hl=pt-br

para saber mais sobre o sítio ensino e pesquisa e o projeto biosphera21 vá para apresentação do sítio na seção sobre

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Para citar:

SANDEVILLE JR., Euler. (Euler Sandeville) na rede. São Paulo: Ensino e Pesquisa [projeto Biosphera21] on line, 2023.

Leituras do Grupo de Estudos no Núcleo de Estudos da Paisagem (FAU USP) em 2022/2023

07 dez. 2021 / 20 dez. 2021
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A paisagem como fato cultural ↑. In: YÁZIGI, Eduardo (org.). Turismo e Paisagem. Campinas: Contexto, 2002, p. 29-64.

10 jan. 2022
ASSUNTO, Rosario. Paisagem, ambiente, território. Uma tentativa de esclarecimento conceitual. In: SERRÃO, Adriana Veríssimo (org.). Filosofia da paisagem. Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011, p. 126-129.

SERRÃO, Adriana Veríssimo. Paisagem e ambiente: uma distinção conceptual ↑. Enrahonar. Quaderns de Filosofia. v. 53, p. 15-28, 2014.

02 fev. 2022
TURRI, Eugenio. A paisagem como teatro: do território vivido ao território representado. In: SERRÃO, Adriana Veríssimo. Filosofia da paisagem. Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011, p. 167-184.

23 fev. 2022
BARROS, José D’Assunção. Doze conceitos tradicionais da Geografia e uma nova proposta. In: ___. História, Espaço, Geografia: diálogos interdisciplinares. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 23-126.

08 mar. 2022
BERTRAND, Georges. Paisagem e geografia física global: esboço metodológico ↑. RA’EGA, Curitiba, v. 8, p. 141-152, 2004.

21 mar. 2022
HAESBAERT, Rogério. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade ↑. In: Anais do I Seminário Nacional sobre Múltiplas Territorialidades. Porto Alegre: Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS, 2014.

11 abr. 2022
RAFFESTIN, Claude. O poder. In: ___. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

25 abr. 2022
SAUER, Carl O. A morfologia da paisagem ↑. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998, 12-73.


representação e cultura

SANDEVILLE JR., Euler. As representações, o imaginário e as práticas ↑A Natureza e o Tempo (o Mundo), online, São Paulo, 2020.
CHARTIER, R. O mundo como representação ↑. Estudos Avançados, [S. l.], v. 5, n. 11, p. 173-191, 1991.
LE GOFF, Jacques. Prefácio à 1a edição de O imaginário medieval. Tradução Manuel Ruas. Portugal: Estampa, 1994 pg 11 a 30.

representação (lugares)

ARANTES, Antonio A. A guerra dos lugares. Sobre fronteiras simbólicas e liminaridades no espaço urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional p. 191-203.

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L.. Os estabelecidos e os outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2000 [1964], Introdução. Ensaio teórico sobre as relações estabelecidos-outsiders, p 19-50.

FONSECA, Claudia; BRITES, Jurema (Orgs). Etnografias da Participação. Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2006.

VOGEL, Arno; SANTOS, Carlos Nelson F. dos (coord). Quando a rua vira casa. Apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. Rio de Janeiro: IBAM, 1985, 3a ed. [pesq. 1979], p 11-54, 65-110, 127-142.

paisagem (textos de Euler Sandeville)

SANDEVILLE JUNIOR, Euler . Paisagens, uma rápida apresentaçãoInstituto da Paisagem, 2020.

SANDEVILLE JR., Euler. Paisagens partilhadas. São Paulo, Livre Docência, FAUUSP, 2011, 2 vol.

SANDEVILLE JR., Euler. Paisagens PartilhadasPaisagem e Ambiente, São Paulo, n. 30, p. 203-214 (2012), june 2012. ISSN 2359-5361. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i30p203-214.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler . Paisagens e métodos. Algumas contribuições para elaboração de roteiros de estudo da paisagem intra-urbanaPaisagens em Debate, FAU.USP, v. 2, p. 1, 2004

SANDEVILLE JR., Euler. Paisagem . Paisagem e Ambiente, São Paulo, n. 20, p. 47-59, june 2005. ISSN 2359-5361. Disponível em: . Acesso em: 26 feb. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i20p47-59.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler. A paisagem do município como território educativo. In PADILHA, Paulo R.; CECCON, Sheila e RAMALHO, Priscila (Orgs.). Município que Educa: fundamentos e propostas. São Paulo, ED,L, Vol. 1, nov., 2010.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler. Visões artísticas da cidade e a gênese da paisagem contemporânea. Encontro Nacional de Antropologia e Performance/USP, 2011, São Paulo. Anais do Encontro Nacional de Antropologia e Performance. São Paulo: Napedra/FFLCH/USP, 2012 ISBN 978-85-7506-211-1.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler. A paisagem do município como território educativo. In PADILHA, Paulo R.; CECCON, Sheila e RAMALHO, Priscila (Orgs.). Município que Educa: fundamentos e propostas. São Paulo, ED,L, Vol. 1, nov., 2010.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler ; Hijioka, Akemi. Flores da cerejeira e da paineira (Paisagens). Paisagem e Ambiente, v. 24, p. 201-207, 2007.

SANDEVILLE JUNIOR, Euler . Um roteiro para estudo da paisagem intra-urbana. Paisagens em Debate, FAU.USP, v. 2, p. 1, 2004.

FALAR, OUVIR E AGIR NA JUSTIÇA: GUARDA A ESPADA

Euler Sandeville Jr.
São Paulo, 11 de dezembro de 2019

Pois não foi por sua espada que possuíram a terra, nem foi o seu braço que lhes deu vitória, e sim a Tua destra, e o Teu braço, e o fulgor do Teu rosto, porque te agradaste deles. [Salmo 44.3]

Sabei isto, meus amados irmãos: Todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar. Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus. [Tiago 1.19,20]

Mas, como insistissem em perguntar-lhe, [Jesus] ergueu-se e disse-lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra. [João 8.7]

Todos os tempos da história humana estiveram embebidos em injustiça, incertezas e intensas mudanças, as mais diversas. Porém, parece que alguns momentos se afiguram como de convergência a uma crise muito densa, com agravamento da percepção dessas condições na intensificação dos processos de mudança. Agravamento da percepção que não se traduz, por si só, na consciência do que nos move e do como nos movemos. O resultado é que a insegurança, alimentando-se de si mesma e de seu desespero ou desencanto, multiplica a insegurança e o medo, reconhecidos ou não como tais.

A incerteza com os valores praticados, o medo da perda do que se imagina ter conseguido ou o medo do que o poder do outro representa e o ódio ou a ira com a diferença, geram e ampliam a indiferença em suas diversas formas e ganham assim muito espaço nos corações e atos. O medo e o ódio são sentimentos tão intensos quanto são banais, gerando um estado nebuloso e difuso, sombrio, que hora paralisa e silencia, hora agride e até mesmo corrói e destrói, lenta e violentamente.

Torna-se muito fácil – isto em nossa sociedade – a tentativa passional de reunificar as pautas capturadas pelos desejos diante de um mundo em mudança e dissolução do conhecido. Condição que favorece a força de personalidades populistas e oportunistas que prometem segurança e realização. Porém, promessas desse tipo, populistas ou não, geralmente sustentam-se com explicações singelas do mundo e da sociedade, partidarizadas e polarizadas, que expõem suas contradições e dramas, não para superá-los, mas para capturá-los nas chaves de seu próprio sistema.

A grande força sombria desses momentos é deslocar o sentido da vida para os acirramentos polarizados e para uma intensidade com foros de verdade, mas banal. A consequência não é a compreensão, mas uma crescente necessidade de conflito que, obviamente, não toca nas causas humanas mais profundas, mesmo que as invoque; quando muito, resvala pela estereotipação dos comportamentos e disputas narrativas.

Pelo que observei, em pouco mais de meio século, nesses tempos em que as crises das mudanças tornam-se mais evidentes, é comum as pessoas exacerbarem suas contradições diante das contradições mais amplas em que se encontram. Daí, sentirem a necessidade de estabelecerem, pela força física e ou discursiva, o que consideram sua justiça ou valor, em nome de algum ideal político ou moralizante que lhes soa verdadeiro e até mesmo invocando a um deus (político, identitário, religioso) que é a imagem da alma atormentada.

No entanto, não é condição apenas desses momentos de crise as pessoas reagirem impulsivamente, falarem sem pensar na responsabilidade do que dizem, antagonizarem e negarem o outro em nome de alguma radicalidade ou certeza política e afetiva. Isso atravessa todo o cotidiano, razão pela qual pode ser exacerbado em momentos críticos. O alto preço da violência, da mentira, da injustiça, da corrupção dos valores, das promessas fáceis, oculta-se assim em esperanças superficiais que se escondem no cotidiano, até parecerem naturais e não vergonhosas, como realmente são.

As Escrituras, entretanto, nos ensinam um caminho bem distinto, nem por isso fácil, principalmente nos momentos de exaltação, conflito ou ameaça. A noite em que Jesus foi traído e preso foi um desses momentos. Pedro, que era um pescador, uma pessoa simples mas intensa, no atordoamento da situação e sem entender o sentido dos ensinos de Jesus, viveu essa crise em toda a intensidade possível. Tomado de indignação, feriu com sua espada o servo do sacerdote que vinha prender Jesus. O Senhor imediatamente o repreende, socorre 1: Lucas 22.50, 51 o servo do sacerdote ferido e lhe ordena: guarda tua espada.

Então Simão Pedro, que tinha uma espada, desembainhou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. Disse, pois, Jesus a Pedro: Mete a tua espada na bainha; não hei de beber o cálice que o Pai me deu? [Jo 18.10,11]

Os momentos seguintes de Jesus e de Pedro são bem conhecidos. Jesus é preso e sofre humilhação, tortura e martírio. É arguido com mentiras, são apresentadas pessoas que dão falso testemunho acerca dele, é ultrajado, tratado com violência e desrespeito, apesar das curas que realizou e de seus elevados ensinos que, sem dúvida, foram inquietantes para os religiosos e poderosos de seu tempo.

Hoje, vemos a lei de Deus ser ultrajada e Cristo ser desrespeitado de modo agressivo e ultrajante por pessoas sem fé ou respeito. O que surpreende não é que ajam assim, mas que esqueçamo-nos de que isso já ocorreu exatamente dessa forma antes. Não há originalidade alguma, senão na cabeça de quem o faz. A resposta de Jesus foi, e continua sendo, diferente da nossa: morreu para a salvação de seus ofensores, ente os quais nós estávamos.

E alguns começaram a cuspir nele, e a cobrir-lhe o rosto, e a dar-lhe socos, e a dizer-lhe: Profetiza. E os guardas receberam-no a bofetadas. [Marcos 14.65]

Nisso os soldados do governador levaram Jesus ao pretório, e reuniram em torno dele toda a coorte. E, despindo-o, vestiram-lhe um manto escarlate; e tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e na mão direita uma cana, e ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos judeus! E, cuspindo nele, tiraram-lhe a cana, e davam-lhe com ela na cabeça. [Mateus 27.27-30]

Jesus não ofendeu nem ameaçou ninguém, não ficou defendendo-se ou a Deus, evitou a violência, como no momento em que conteve Pedro e curou o servo do sumo sacerdote. De modo algum compartilhou com esses atos de seus ofensores, nem há qualquer adocicamento da parte dele dessas injustiças. Sua resposta é não participar delas, não se tornar como elas, e realizar a obra para que veio. Não há transigência alguma, sua diferença com elas é claramente estabelecida.

Então, como Pedro, temos que aprender que empunhar nossa espada não produz a justiça divina, nem poderia. Pedro, privado do ato violento, experimenta um profundo sentimento de derrota, perplexidade e impotência 2: Marcos 14.71. Por trás do ato impulsivo e violento de Pedro estava um profundo sentimento de impotência e covardia 3: Marcos 14.72, ainda que também um desejo profundo de estar com Cristo.

A superação desse momento de profunda fragilidade que sente, que evidencia a vaidade e insuficiência de sua força e depois também de sua astúcia desajeitada, em que seus esforços fundados nessa base se revelam inúteis e até desastrosos, o colocou diante do sentido maior do evangelho e do Cristo a quem tanto ama 4: João 21.15-17.

Guardar a espada é, portanto, apenas o primeiro passo para uma cura que pode vir apenas de Cristo. Já não me refiro à cura do ofensor de Jesus ferido por seu discípulo. Mas à cura do discípulo que se torna também ele uma pessoa a não entender o sentido e extensão da vinda de Jesus e da justiça de Deus.

Guardar a espada é um passo para uma consciência e uma cura mais profunda que temos que desenvolver, não é todo o caminho a ser percorrido. Caminho que é bem mais elevado e de realização bem mais ampla do que esse primeiro ato de fé, o de guardar a espada da força da nossa língua ou do nosso braço diante da ameaça e da indignação e caminhar com Jesus pela fé, seguindo o seu amor, sua humildade e sua paciência. Não é um passo fácil, na pressão dos acontecimentos. Mas é um passo que, se não for dado, não chegaremos ao conhecimento da estatura de Cristo, nem de sua virtude.

O Espírito está falando à Igreja e convocando os cristãos a guardarem a espada. Mas é só o começo.

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notas

1 Lucas 22.50, 51: Então um deles feriu o servo do sumo sacerdote, e cortou-lhe a orelha direita. Mas Jesus disse: Deixei-os; basta. E tocando-lhe a orelha, o curou. O evangelho de João atribui a Pedro o ato.

2 Marcos 14.71: Ele [Pedro], porém, começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais.

3 Marcos 14.72: (…) E caindo em si [Pedro], começou a chorar.

4 João 21.15-17: Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes? Respondeu- lhe: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeirinhos. Tornou a perguntar-lhe: Simão, filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Pastoreia as minhas ovelhas. Perguntou-lhe terceira vez: Simão, filho de João, amas-me? Entristeceu-se Pedro por lhe ter perguntado pela terceira vez: Amas- me? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas; tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas.

FALAR, OUVIR E AGIR NA JUSTIÇA: AMA A TEU PRÓXIMO

Euler Sandeville Jr.
São Paulo, 11 de dezembro de 2019

Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu. [1 João 4.20]

Aquele que diz estar na luz, e odeia a seu irmão, até agora está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há tropeço. Mas aquele que odeia a seu irmão está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai; porque as trevas lhe cegaram os olhos. 1 [João 2.7-11].

Sabei isto, meus amados irmãos: Todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar. Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus. [Tiago 1.19,20].

Vimos, na primeira parte desse estudo, que Jesus nos ensina a guardarmos e não usarmos a espada, a não agirmos pelas nossas próprias forças, mas pela fé. Vimos também que isso não é o final de nosso crescimento, é apenas o começo da transformação a que ele nos convida. Nesta segunda parte vamos pensar um pouco sobre a natureza dessas espadas que, mesmo que tratadas figuradamente, trazemos conosco. Não tratarei daquelas que são as armas que o engenho humano constrói para ofender a criação de Deus, mas daquelas que brotam do coração, dos lábios e dos atos, existindo em nós devido ao pecado e, portanto, contrárias a Deus 1: Mt 5.21-26. A razão de usá-las é também a antítese de nossa cura e libertação.

Podemos então nos perguntar: quais são as espadas que trazemos? Ao brandi-las, ferindo os outros por nosso medo, insegurança ou irritação, o que estamos expressando, senão nossa ira 2: Ef 4.30-32, em um mundo imerso em ira e injustiça, expressando nosso rancor 3: Hb 12.15, 16, em um mundo imerso em rancor e indiferença, nossa justificação pessoal 4: Lc 10.29, Rm 12.3 em um mundo imerso em insatisfações e desconfianças, em um mundo que tem os olhos voltados para si 5: Rm 12.9-21? Usando tais recursos, mesmo que falando em nome de espiritualidades, seremos como os religiosos que Jesus advertia, estaríamos apenas manifestando nossa indignação ou insatisfação e reagindo pelos meios do presente mundo 6: Rm 6.17,18, que alegamos recusar. Jesus ensina coisa totalmente diferente:

Vendo os escribas dos fariseus que comia com os publicanos e pecadores, perguntavam aos discípulos: Por que é que ele como com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo isso, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas sim os enfermos; eu não vim chamar justos, mas pecadores. [Marcos 2.17]

A espada é um instrumento do medo, da acuação ou da vingança; intimida e fere. Estes não são sentimentos que encontramos em Cristo. O juízo de Deus pertence apenas a Ele, pois é Ele o autor da vida. Nós não temos o direito de tomar a justiça em nossas próprias mãos 7: Rm 14.10-13, Rm 12.20,21, Ex 23.4,5, nem a vida, nem o destino alheio. São dimensões que não compreendemos e que pertencem somente a Deus.

Então, devemos nos perguntar: que espada carregamos em nosso íntimo e em quais momentos estamos dispostos a empunhá-la para ferir? As nossas espadas que ferem são os nossos sentimentos de ira, amargura, violência, sabedoria autocentrada, julgamento dos outros, egoísmo. Todas essas coisas são contrárias ao evangelho de Jesus e ao propósito de Deus, não podem produzir a justiça de Deus 8: Gl 5.19-23. Quando nos consideramos guardiães das coisas de Deus, soldados de sua Justiça, nos esquecemos de que Jesus veio pelos pecadores e enfermos, não pelos que se julgam santos.

A força do nosso braço e dos nossos instintos não nos garantem a vitória, ao contrário, a imposição desses meios é sempre nossa derrota. Mais, no Evangelho Jesus nos exorta não apenas a guardar e a não ferir com as espadas que subsistem em nossa natureza humana 9: Marcos 7.18-23, mas a amar o próximo 10: Mateus 22.37-40; Dt 6.5, Lv 19.17, 18. Não se trata de um amor ou afeto qualquer, embora isso também seja bom e faça parte da vida. O convite e o mandamento que recebemos vai além, é amar com o amor que vem de Deus 11: 1 Jo 2.9-11; 4.11,12; 4.18-21.

Vejamos o que as Escrituras nos dizem das espadas que usamos para a injustiça, até em nome de Deus, sem entrar naquelas da brutalidade física. Quais são as espadas que temos usado? O que as Escrituras dizem sobre elas? Coloco apenas alguns trechos, pois são muitos os avisos que as Escrituras nos fazem sobre a maldade do coração e sobre o dano que a motivação e o falar perversos intentam causar e causam. Vamos nos certificar que as Escrituras mencionam a espada como uma metáfora da maldade do coração humano e do dano que causa assim no semelhante.

Há falador cujas palavras ferem como espada; porém a língua dos sábios traz saúde. Provérbios [12.18].

Malho, e espada, e flecha aguda é o homem que levanta falso testemunho contra o seu próximo. Provérbios [25.18].

Por que te glorias na malícia, ó homem poderoso? pois a bondade de Deus subsiste em todo o tempo. A tua língua maquina planos de destruição, como uma navalha afiada, ó tu que usas de dolo. Salmo [52.1,2]

Ele do céu enviará seu auxílio, e me salvará, quando me ultrajar aquele que quer calçar-me aos pés. Deus enviará a sua misericórdia e a sua verdade. Estou deitado no meio de leões; tenho que deitar-me no meio daqueles que respiram chamas, filhos dos homens, cujos dentes são lanças e flechas, e cuja língua é espada afiada. [Salmo 57.3,4]

Esconde-me do secreto conselho dos maus, e do ajuntamento dos que praticam a iniquidade, os quais afiaram a sua língua como espada, e armaram por suas flechas palavras amargas, para em lugares ocultos atirarem sobre o íntegro; disparam sobre ele repentinamente, e não temem. [Salmo 64.2-4]

Essas cinco citações dos Salmos e de Provérbios mostram que as palavras e a linguagem podem ferir como espada (Pv 12.18) e que essa atitude é oposta à do sábio. O tolo fere, o sábio cura, como vimos no estudo anterior, na atitude de Jesus quando Pedro feriu o servo do sumo sacerdote 12: Lucas 22.50, 51.

Mas há casos ainda mais graves, quando além de fazer isso, há a clara intenção de torcer o direito, de detratar o outro torcendo a verdade, de produzir o mal contra o outro, de agir com malícia (Sl 52.1). Os que fazem assim não são apenas pessoas que falam tolamente. São pessoas que se acostumaram com sua perversidade e entendem que isso é parte natural de seus meios de vida.

A perversidade utiliza-se do falar acompanhado de outras ações que são claramente tidas como malignas nas Escrituras. Nos provérbios e salmos citados aqui essas ações são a intensão de ferir ou afligir, o falso testemunho, um sentimento destrutivo, a maquinação, a malícia, a vaidade, a presunção, o engano, a humilhação do outro, a intimidação, os maus conselhos e as ciladas. Veja a correspondência com coisas duramente reprovadas em 1 Co 6.9,10 13, Ef 5.3-5 14, Ap 22.15 15, 2 Tm 3.1-5 16.

Paulo e João não endereçaram esses textos a salteadores, assassinos ou governantes que praticavam a injustiça, mas à própria igreja para que aprendesse a discernir sobre suas motivações e práticas. Portanto, uma análise desses pecados mostra não só que se podem tornar parte distraída do cotidiano (maledicência, cobiça, conversa tola, avareza), como também podem levar as pessoas a atos ainda piores (opressão, aflição, injustiça, cilada, violência). Portanto, não pense que isso se refere apenas a homens que são salteadores ou assassinos, pois Jesus advertiu os religiosos de seu tempo quanto ao mal dessas coisas. Foram esses religiosos, que eram pilares naquela sociedade imersa em contradições, os que condenaram a Cristo valendo-se de artifícios e ardis, logo depois passando ou consentindo com as mais brutais humilhações ao Senhor.

As pessoas que colocam-se nesse domínio multiplicam e ampliam a iniquidade, sabendo ou não que o estão fazendo. Aqueles que as praticam tenderão a agir no oculto ou dissimulando (Sl 64.2-4) e a serem movidos pelo orgulhoso, a sentirem-se poderosos (Sl 52.1,2). O tolo se gloria do próprio mal e de si mesmo, tem orgulho de sua malícia e de seu poder. Porém, não percebe que está em oposição frontal a Deus.

Não levantarás falso boato, e não pactuarás com o ímpio, para seres testemunha injusta. Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda darás testemunho, acompanhando a maioria, para perverteres a justiça; Êxodo 23.1,2. Nesses trechos também podemos ver como agem aqueles que seguem a Deus. Não agem pelas mesmas armas ou atitudes. Ao contrário, como vimos na primeira parte deste estudo, no exemplo que Jesus nos deixa. Os que seguem a Deus confiam em sua bondade e esperam em seu auxílio, ou seja, têm uma atitude reverente e confiante de fé em Deus.

Portanto, a ira, como está na carta de Tiago, não produz a vontade de Deus. Como vimos, na verdade, é oposta a ela. Nada disso provém de Deus 17: Mt 20. 25-28, nada disso opera a justiça de Deus, nada disso tem a ver com o amor e a santidade de Deus.

Nosso falar 18: Tiago 2.2-12 e nosso agir devem estar subordinados a Deus e ao Evangelho 19: Romanos 6.17,18, à boa nova da salvação e redenção em Jesus. O Senhorio de Deus deve nos transformar. Jesus nos chamou ao amor 20: Gl 5.13,14, à humildade e nos deu ele mesmo o exemplo. Quando mandou Pedro recolher a espada ele disse também: não hei de beber o cálice que o Pai me deu? 21: Jo 18.11.

Estaria ocorrendo da Igreja não querer beber do cálice que nos dá a beber o Senhor? As testemunhas em Apocalipse, e assim os servos do Senhor ali revelados, como os apóstolos e primeiros cristãos nas Escrituras, não tomaram em suas próprias mãos a justiça e a força deste mundo, nem se fizeram reis, sacerdotes e magistrados, senão muito tempo depois, quando pessoas que se diziam cristãs agiram de modo distante do evangelho pela intimidação e pela força. Ao contrário, os primeiros cristãos viveram confiantes no Senhor, na ressurreição e na pátria celestial. Suportar a injustiça, não reagir por meios humanos nem seus instrumentos, praticar a justiça do amor de Deus, deixando-lhe todo o juízo, é uma questão de fé.

Recentemente Deus começou a me chamar mais a atenção sobre a importância do falar (através do livro dos Provérbios). Com isso, fui ficando mais atento ao quanto tropeço nisso, mesmo querendo seguir a verdade. Nesse processo, lamento cada vez que não sou bem-sucedido. Vejo também o quanto o falar, pois como Jesus ensinou a boca fala do que está no coração, pode ser a porta do encadeamento de erros ainda maiores, como aqueles indicados aqui. O Amor é o princípio que é oposto à espada da nossa língua e dos nossos impulsos decorrentes do egoísmo e do orgulho. Guardar a espada é preparar-se para o caminho e começar a mudar a atitude. Amar é colocar-se a caminho.

Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Deuteronômio 6.5

Não odiarás a teu irmão no teu coração; não deixarás de repreender o teu próximo, e não levarás sobre ti pecado por causa dele. Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor. [Levítico 19.17, 18]

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NOTAS

1 Mateus 5.21-26: Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta. Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil.

2 Efésios 4.30-32: E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção. Toda a amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmia sejam tiradas dentre vós, bem como toda a malícia. Antes sede bondosos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo.

3 Hebreus 12.15, 16: Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem; e ninguém seja devasso, ou profano como Esaú, que por uma simples refeição vendeu o seu direito de primogenitura.

4 Lucas 10.29: Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo?
Romanos 12.3: Porque pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não tenha de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas que pense de si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus, repartiu a cada um.

5 Romanos 12.9-21: O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros; não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor; alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração; acudi aos santos nas suas necessidades, exercei a hospitalidade; abençoai aos que vos perseguem; abençoai, e não amaldiçoeis; alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram; sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altivas mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios aos vossos olhos; a ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas dignas, perante todos os homens. Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor.  Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.

6 Romanos 6.17,18: Mas graças a Deus que, embora tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e libertos do pecado, fostes feitos servos da justiça.

7 Romanos 14.10-13: Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Deus. Porque está escrito: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho, e toda língua louvará a Deus. Assim, pois, cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus. Portanto não nos julguemos mais uns aos outros; antes o seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao vosso irmão.
Romanos 12.20,21: Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.
Êxodo 23.4,5: Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, sem falta lho reconduzirás. Se vires deitado debaixo da sua carga o jumento daquele que te odeia, não passarás adiante; certamente o ajudarás a levantá-lo.

8 Gálatas 5.19-23: Ora, as obras da carne são manifestas, as quais são: a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas, as bebedices, as orgias, e coisas semelhantes a estas, contra as quais vos previno, como já antes vos preveni, que os que tais coisas praticam não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: o amor, o gozo, a paz, a longanimidade, a benignidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o domínio próprio; contra estas coisas não há lei.

9 Marcos 7.18-23: Respondeu-lhes ele: Assim também vós estais sem entender? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assim declarou puros todos os alimentos. E prosseguiu: O que sai do homem , isso é que o contamina. Pois é do interior, do coração dos homens, que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios, a cobiça, as maldades, o dolo, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez; todas estas más coisas procedem de dentro e contaminam o homem.

10 Mateus 22.37-40: Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.
Deuteronômio 6.5: Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças.
Levítico 19.17, 18: Não odiarás a teu irmão no teu coração; não deixarás de repreender o teu próximo, e não levarás sobre ti pecado por causa dele. Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor.

11 1 João 2.9-11: Aquele que diz estar na luz, e odeia a seu irmão, até agora está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há tropeço. Mas aquele que odeia a seu irmão está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai; porque as trevas lhe cegaram os olhos.
1 João 4.11,12: Amados, se Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus; e nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é em nós aperfeiçoado.
1 João 4.18-21: No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor. Nós amamos, porque ele nos amou primeiro. Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu. E dele temos este mandamento, que quem ama a Deus ame também a seu irmão.

12 Lucas 22.50, 51: Então um deles feriu o servo do sumo sacerdote, e cortou-lhe a orelha direita. Mas Jesus disse: Deixei-os; basta. E tocando-lhe a orelha, o curou. O evangelho de João atribui a Pedro o ato.

13 1Coríntios 6.9,10: Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbedos, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.

14 Efésios 5.3-5: Mas a prostituição, e toda sorte de impureza ou cobiça, nem sequer se nomeie entre vós, como convém a santos, nem baixeza, nem conversa tola, nem gracejos indecentes, coisas essas que não convêm; mas antes ações de graças. Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus.

15 Apocalipse 22.15: Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira.

16 2 Tm 3.1-5: Sabe, porém, isto, que nos últimos dias sobrevirão tempos penosos; pois os homens serão amantes de si mesmos, gananciosos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a seus pais, ingratos, ímpios, sem afeição natural, implacáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando-lhe o poder.

17 Mt 20. 25-28: Jesus, pois, chamou-os para junto de si e lhes disse: Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos. E repete em Mt 23.11: Mas o maior dentre vós há de ser vosso servo.

18 Tiago 2.2-12: Pois todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, esse é homem perfeito, e capaz de refrear também todo o corpo, Ora, se pomos freios na boca dos cavalos, para que nos obedeçam, então conseguimos dirigir todo o seu corpo. Vede também os navios que, embora tão grandes e levados por impetuosos ventos, com um pequenino leme se voltam para onde quer o impulso do timoneiro. Assim também a língua é um pequeno membro, e se gaba de grandes coisas. Vede quão grande bosque um tão pequeno fogo incendeia. A língua também é um fogo; sim, a língua, qual mundo de iniquidade, colocada entre os nossos membros, contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, sendo por sua vez inflamada pelo inferno. Pois toda espécie tanto de feras, como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se doma, e tem sido domada pelo gênero humano; mas a língua, nenhum homem a pode domar. É um mal irrefreável; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos ao Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca procede bênção e maldição. Não convém, meus irmãos, que se faça assim. Porventura a fonte deita da mesma abertura água doce e água amargosa? Meus irmãos, pode acaso uma figueira produzir azeitonas, ou uma videira figos? Nem tampouco pode uma fonte de água salgada dar água doce.

19 Romanos 6.17,18: Mas graças a Deus que, embora tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e libertos do pecado, fostes feitos servos da justiça.

20 Gálatas 5.13,14: Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Mas não useis da liberdade para dar ocasião à carne, antes pelo amor servi-vos uns aos outros. Pois toda a lei se cumpre numa só palavra, a saber: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.

21 João 18.10,11: Então Simão Pedro, que tinha uma espada, desembainhou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. Disse, pois, Jesus a Pedro: Mete a tua espada na bainha; não hei de beber o cálice que o Pai me deu?

MUDAR E APRENDER

Euler Sandeville Jr.
16/06/2018

Fiquei esses dias olhando na mente as velhas fotos e desenhos, as centenas de poesias que ao longo da vida escrevi com intensidade e paixão, como indagação no limiar. Por que as guardo? Não as vivo mais, pertencem a outros tempos, embora seus significados não possam ser retirados de mim. Pergunto-me se os objetos e imagens do passado ainda podem servir para algum aprendizado, ou se é apenas uma forma de reter o que foi vivido com suas ilusões e inquietações mais profundas, uma forma de apego.

Velhos rostos que me são saudosos me povoam, quer os veja ou não; os erros e acertos, os excessos, os desejos, as lembranças, a insanidade, pessoas e condições que fizeram parte de mim. Olhar tudo isso me dá um arrepio no coração; é falar comigo mesmo, mas de um ponto novo onde agora estou, ainda em vir a ser. Ter guardado alguns desses registros que consumiram com tanta intensidade minha existência e pessoas com as quais a reparti é só uma confirmação, uma janela do que vemos no íntimo quando nos recolhemos e refletimos, meditamos sobre o vivido.

Pensei muito nisso, que o homem sempre pisa seus próprios passos. Se for assim, ainda que vejamos coisas novas, não saímos muito do lugar, do campo já descortinado e apenas o contemplamos por vezes de outra forma, por vezes novamente. É inevitável ser assim ou podemos pisar passos que ainda não foram caminhados? Percebemos – ainda que não plenamente – o que repisamos e, muitas vezes, o porque. Ainda que reconhecendo essas marcas que ficam, pode ser importante superar esse repisar, esse repetir-se tornando novo, escolher outro caminho, mesmo sabendo que levaremos algo do nosso modo de coxear.

Perguntou-lhe, pois: Qual é o teu nome? E ele respondeu: Jacó. Então disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; porque tens lutado com Deus e com os homens e tens prevalecido. Perguntou-lhe Jacó: Dize-me, peço-te, o teu nome. Respondeu o homem: Por que perguntas pelo meu nome? (Gênesis 32.27-29)

A vida com Deus em Cristo é um ato de fé e é uma experiência maravilhosa. Exige amadurecimento, mudança real e íntima, transformação, reconhecimento e consciência de onde se está, de quem se é, de porque fazemos assim ou de outro modo e o que escolhemos, no íntimo, durante esse caminhar. Conversão. Humildade e firmeza. Estar diante de situações em que é necessário reaprender tudo não poucas vezes, em que o amor de Deus convida a ser melhor e ao mesmo tempo é necessário reconhecer os próprios vícios, os hábitos, os erros que ficam arraigados, as justificativas que os encobrem. Queria ser melhor, embora tenha melhorado. Dou graças a Deus pelo que melhorei, pelo que superei, e vejo que ainda não sei muitas das coisas mais básicas, de como lidar com as situações de injustiça, de desejo, de medo, de vontades em efusão no ar das individualidades nas quais temos de nos construir, inserir, aprender a ser.

Tenho que pensar mais profundamente o que quero dizer no contexto em que vivo, e como. Tenho que ver como lido com os caminhos que me trouxeram até aqui, discernir os acúmulos que a vida significa em sua atração força renovadora e, sobretudo, para onde quero ir. Tenho que enfrentar as coisas que não superei ainda, e nesse mundão não me identifico com o que estamos vivendo, suas narrativas, seus discursos, seus controles, seus acordos de comprometer os sentidos transformando-os em espectros meio descarnados, meio tudo, meio nada. Isso me levou e tem levado a uma reflexão profunda – no singular e no plural – sobre o que mudamos, o que guardamos – o que mudei, o que guardei – como, e porque. Não pertenço a este tempo, e nele existo. As contradições, as coisas em que gostaria de ter melhorado mais, aquelas em que já melhorei muito, aquelas em que tenho dificuldades que não gostaria mais de ter, as qualidades que me levam adiante renovam-se diante de mim e me convidam a aprender a caminhar segundo a Palavra, a não temer, a olhar desde o que está próximo até o horizonte e ver além. Ver melhor a mim mesmo, é árdua essa experiência. Mas este ainda não é o alvo, é necessário ver além de mim mesmo.

Hora de caminhar. Na busca com Deus.

AS PESSOAS SEMPRE (RE)PISAM SEUS PRÓPRIOS PASSOS?

Euler Sandeville Jr.
18/06/2018

Você já pensou se em alguns momentos em que se vê avançando na vida (ou recuando), para além das circunstâncias, possa estar ainda, em grande medida, mesmo com as transformações que o tempo traz, reproduzindo as mesmas forças anteriores?

Essa pergunta pode ter algo de assustador, pois em geral pensamos estar indo em frente e, se nos sentimos os mesmos nessa jornada, bem sabemos que mudamos, nos transformamos, por vezes ao ponto de esquecer de onde partimos, o que havia no coração no início da jornada. Pois bem, este é um lado da nossa experiência, mas há outros também.

Raramente nos percebemos repisando a nós mesmos, sem saber que o fazemos, seja quando pensamos olhar para a frente e progredir, seja quando pensamos regredir em algum momento. Repisar os passos, sem sabê-lo é algo por demais desafiador; não se refere tanto ao momento que vivemos, aos sentimentos das circunstâncias, mas a uma condição existencial na qual existimos e nos escapa. No limite, há um quê de destino desenhado por nosso próprio íntimo na existência, para além de todo o nosso dinamismo e transformação. Mais interessante, e dramático ou cômico, como queira: tando social quanto individualmente.

Se for assim, ainda que vejamos coisas novas, de fato nem sempre saímos muito do lugar, no que se refere ao campo de validades e de possibilidades. O nosso caminho, mesmo novo, ultrapassa as variações de nós mesmos? Contemplamos nossas próprias paisagens por vezes de outra forma, e novamente de outra, e outra, e ainda outra e ainda é apenas quase a mesma que nos foi dada de início? Claro, em muita coisa nos movemos, mas aqui estou pensando naquelas em que, não nos dando conta, nos repetimos. Elas também acontecem. Talvez jamais fique claro o porque desse repisar o caminho como um ciclo existencial que deseja se repetir entremeado de ritmos, de pulsos, pulsões, racionalizações, obstinações, arrazoados e narrativas.

É necessário ousadia para que isso não precise ser tudo. Para perceber que não é uma boa notícia continuarmos repisando nosso destino, apenas com suas variações temáticas. Não estamos presos em nós mesmos, podemos aprender, e para isso nos abrirmos a Deus e ao próximo é uma condição básica, porque sozinhos nos tornamos estultos, julgamos por nós mesmos, não somos contrariados (ou não aceitemos ser) e não aprendemos. Nos diz o livro de Provérbios (18.1,2): Aquele que vive isolado busca seu próprio desejo; insurge-se contra a verdadeira sabedoria. O tolo não toma prazer no entendimento, mas tão somente em revelar a sua opinião. Graças ao Criador dos céus e da terra e de tudo quanto há, nos foi dada a possibilidade de aprender, de crescer e, para isso, o viver entre outros, de coração aberto tanto quanto pleno, é uma grande oportunidade.

Ainda que reconhecendo que algumas marcas serão persistentes, pode ser importante superar esse repisar, escolher outro caminho, mesmo sabendo que levaremos uma incômoda consciência de nosso modo de coxear (Gênesis 32.27-29) no aprendizado de um novo caminhar e que a superação dos ciclos demande tempo e experiência. É necessário compreender tanto nossa finitude, quanto nossa incompletude, reconhecer os próprios limites, sempre bem mais evidentes aos outros do que a nós mesmos, como assim também pode se nos afigurar o nosso próximo.

Alguns exemplos podem ajudar a compreender essa condição humana em que existimos, que é tanto individual quanto social e que somos convidados a superar. Homens cuja intimidade com Deus foi notória, por isso mesmo revelam a própria humanidade e podemos perceber, entre outras coisas, esses processos a que me refiro, causados pelo medo, pela educação, pelo contexto, pela personalidade e ambições, e depois lançar um olhar para nós mesmos e vermos – se pudermos – o que repetimos e repisamos da nossa existência no “frigir dos ovos” do nosso cotidiano no decorrer do tempo.

O ensinamento bíblico dos trechos a seguir vai muito além do que estou indicando aqui. Porém, em nossa jornada espiritual, em nosso crescimento, enfrentaremos ao nosso próprio modo e contexto, desafios desse repisar os passos, seja na intimidade, seja na tecitura social.

Partiu Abraão dali para a terra do Negebe, e habitou entre Cades e Sur; e peregrinou em Gerar. E havendo Abraão dito de Sara, sua mulher: É minha irmã; enviou Abimeleque, rei de Gerar, e tomou a Sara. (…) Perguntou mais Abimeleque a Abraão: Com que intenção fizeste isto? Respondeu Abraão: Porque pensei: Certamente não há temor de Deus neste lugar; matar-me-ão por causa da minha mulher. Além disso ela é realmente minha irmã, filha de meu pai, ainda que não de minha mãe; e veio a ser minha mulher. Quando Deus me fez sair errante da casa de meu pai, eu lhe disse a ela: Esta é a graça que me farás: em todo lugar aonde formos, dize de mim: Ele é meu irmão. (Gênesis 20.1-13)

Mas esta não foi a primeira vez que Abraão agiu dessa forma. Anos antes, também quando houve fome na terra,

Ora, havia fome naquela terra; Abrão, pois, desceu ao Egito, para peregrinar ali, porquanto era grande a fome na terra. Quando ele estava prestes a entrar no Egito, disse a Sarai, sua mulher: Ora, bem sei que és mulher formosa à vista; e acontecerá que, quando os egípcios te virem, dirão: Esta é mulher dele. E me matarão a mim, mas a ti te guardarão em vida. Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me vá bem por tua causa, e que viva a minha alma em atenção a ti. (Gênesis 12.10-13)

O exemplo talvez choque a alguns. Mas veja a força do hábito e o quanto partilhamos formas que não nos damos conta. Para compreender melhor, não nos coloquemos no lugar de Abraão, mas de seu filho Isaque. Veja que, como eles as deles, nós também ao nosso modo e contexto podemos estar repisando coisas, sem nos darmos conta, reproduzindo comportamentos que ficaram entranhados em nós, mesmo sem apercebermo-nos.

Sobreveio à terra uma fome, além da primeira, que ocorreu nos dias de Abraão. Por isso foi Isaque a Abimeleque, rei dos filisteus, em Gerar. (…) Assim habitou Isaque em Gerar. 7Então os homens do lugar perguntaram-lhe acerca de sua mulher, e ele respondeu: É minha irmã; porque temia dizer: É minha mulher; para que porventura, dizia ele, não me matassem os homens daquele lugar por amor de Rebeca; porque era ela formosa à vista. 8Ora, depois que ele se demorara ali muito tempo, Abimeleque, rei dos filisteus, olhou por uma janela, e viu, e eis que Isaque estava brincando com Rebeca, sua mulher. 9Então chamou Abimeleque a Isaque, e disse: Eis que na verdade é tua mulher; como pois disseste: E minha irmã? Respondeu-lhe Isaque: Porque eu dizia: Para que eu porventura não morra por sua causa. (Gênesis 26.1-9)

Talvez você ache que estes exemplos não são suficientes. Que seja um caso isolado. Mas se observarmos bem as narrativas bíblicas veremos que o assunto merece alguma consideração. Em Gênesis 24, Abraão já velho, envia seu servo mais antigo da casa para a terra de seus parentes na Mesopotâmia para trazer uma esposa para seu filho Isaque. Quando Rebeca chega, Isaque é tomado de grande paixão por sua beleza e a amou. Já velho, enganado por seu filho Jacó, sua mãe o envia à casa de seus parentes na Mesopotâmia. Chegando lá, ao ver Raquel, Jacó apaixona-se perdidamente.

Quando Jacó viu a Raquel, filha de Labão, irmão de sua mãe, e as ovelhas de Labão, irmão de sua mãe, chegou-se, revolveu a pedra da boca do poço e deu de beber às ovelhas de Labão, irmão de sua mãe. Então Jacó beijou a Raquel e, levantando a voz, chorou. E Jacó anunciou a Raquel que ele era irmão de seu pai, e que era filho de Rebeca. Raquel, pois foi correndo para anunciá-lo a, seu pai. Quando Labão ouviu essas novas de Jacó, filho de sua irmã, correu-lhe ao encontro, abraçou-o, beijou-o e o levou à sua casa. E Jacó relatou a Labão todas essas, coisas. Disse-lhe Labão: Verdadeiramente tu és meu osso e minha carne. E Jacó ficou com ele um mês inteiro. Depois perguntou Labão a Jacó: Por seres meu irmão hás de servir-me de graça? Declara-me, qual será o teu salário? Ora, Labão tinha duas filhas; o nome da mais velha era Léia, e o da mais moça Raquel. Léia tinha os olhos enfermos, enquanto que Raquel era formosa de porte e de semblante. Jacó, porquanto amava a Raquel, disse: Sete anos te servirei para ter a Raquel, tua filha mais moça. (Gênesis 29.10-18)

Aqui há uma assimetria e uma simetria em relação a Isaque. Impulsivo, Jacó não haje como agira o servo de Abraão, com prudência e sabedoria. Seu ímpeto lhe sairá caro e da rivalidade entre as duas esposas que assim irá receber, sairá também a rivalidade entre seus filhos, como da diferença de afetos entre Isaque e Rebeca por Esaú e Jacó decorreram muitos entreveros. Sua vida se arrastava agora sob o domínio de seu sogro, e ao cabo de certo tempo mais uma vez Jacó irá se colocar em fuga, como havia feito anos antes fugindo de seu irmão Esaú. Nessa fuga irá ver-se novamente face a face com seu irmão, e terá de enfrentar-se finalmente consigo e com o irmão. Um novo Jacó emergirá desse processo, com outra maturidade, mas verá entre seus filhos as mesmas aflições que havia experimentado em sua própria experiência, ainda que de outra forma.

Aqui alinhavei de modo muito rápido essas questões e certamente nem de leve toco a profundidade dessas Escrituras. No entanto, creio ser suficiente para chamar atenção para a pergunta inicial: tendem os humanos a repisar os próprios passos, mesmo sem o perceberem? Tendemos a repisar os nossos próprios passos, em circunstâncias e momentos diferentes, como um voltar sobre si mesmo? Esses momentos serão uma forma de repetir o vivido, ou uma oportunidade para reconhecer e aprender, para nessa consciência adquirir um coração mais sábio?

Nos diz Tiago (1.23,24):

As mudanças são assim das circunstâncias, mas não um aprendizado que aprofunda a consciência.

Pois se alguém é ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que contempla no espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era. Aqui está o ensino, esse contemplar-se apaga-se ao ir-se pelo caminho, levando ao esquecimento de como era, do que aprendeu, de como se viu.

Como Jacó, que depois de tanto fugir, e tornar a fugir, repisa o próprio caminho, até haver-se face a face com seu irmão. No caso de Jacó, sua experiência lhe serviu de aprendizagem, que o levou, a cabo de muito repetir-se, reconhecer de uma nova forma tanto a si quanto a seu irmão. Mas quantas vezes não reproduziu-se sem se dar conta de que apenas alongava o próprio caminho, permanecendo longe de seu destino? Pedro nos ensina, comparando a pessoa que torna-se como cega, vendo apenas o que é imediato, esquecendo-se do que superou, colocando-se na iminência de retornar sobre os próprios passos sem a possibilidade de compreendê-los:

E por isso mesmo vós, empregando toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência, e à ciência o domínio próprio, e ao domínio próprio a perseverança, e à perseverança a piedade, e à piedade a fraternidade, e à fraternidade o amor. Porque, se em vós houver e abundarem estas coisas, elas não vos deixarão ociosos nem infrutíferos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois aquele em quem não há estas coisas é cego, vendo somente o que está perto, havendo-se esquecido da purificação dos seus antigos pecados. (2 Pedro, 1.5-9)