SOBRE RELIGARE E RELEGERE (LER, ENTENDER E PRATICAR)

Euler Sandeville Jr, janeiro de 2022.

A ideia de conexão – e de reconexão nela implicada -, indica para nós um diálogo com Deus, com o próximo e consigo mesmo. Ou melhor, conosco mesmo, já que as Escrituras não ensinam um modo de vida individualista, mas um existir entre outros, no tempo que Deus nos concede debaixo do sol, a partir do reino dos céus, expressão que nos mostra que temos a oportunidade de escolher entre dois reinos, entre dois senhores, entre dois caminhos.

Como disse o pastor Neilson: “quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nos aproximamos do próximo”. O que já não é um desafio pequeno, para pessoas que vivem em uma sociedade materialista, individualista, egoísta, em que não só somos levados a ignorar o próximo como, em consequência de nosso hedonismo e inverdade, a odiar o outro. Nada mais contrário ao ser cristão do que o ódio.

Essa conexão com Deus decorre do amor, não deve ser confundida com a atitude das obras da religião, da liturgia ou da caridade, pois falamos de algo muito mais essencial: o amor a Deus é que leva ao amor ao próximo. Esses dois caminhos, dos quais Jesus nos ensinou tanto, ficam claros na fala de outro pastor, Humberto: “Não sirvo a um Deus que pergunta de onde você veio, e sim que lhe pergunta para onde quer ir”. Essa frase não significa que Deus não se importa com o que quer que façamos, pois Ele se importa conosco em nossa brevidade e na insanidade que viver à Sua revelia acaba sendo. Além disso, as consequências de nossos atos, como seres e como sociedade, são evidentes e, cedo ou tarde, mostram sua face e suas consequências.

Estar longe de Deus usualmente é definido pela palavra pecado, que adquiriu muitas conotações em nossa cultura, inclusive a de fazer algo errado, que não raro resvala para um monte de regras. Porém, esse é um sentido circunstancial e até superficial, nas Escrituras a palavra aponta não para a circunstância, mas para uma condição ao mesmo tempo mais profunda e essencial.

Seu significado nas Escrituras é “errar o alvo, o caminho”. Errar o alvo pode ser entendido através de uma metáfora simples, a da seta que deveria ser atirada em uma direção e vai em outra oposta. Metáfora contundente, que indica que, devendo-se ir por um caminho, vai-se na direção oposta.

Ora, no caso espiritual, o erro do caminho que vem antes e depois de todo erro circunstancial é quando, seguindo o próprio caminho que parece bem aos olhos e ao coração, não se vai na direção do próprio Criador da vida, origem de todo sentido e significado.

Perceber o erro de caminho pode até ser evidente e básico, mas ainda não resulta em mudança, em superação. Daí, o arrependimento, que não significa remorso, mas “mudança de mente”, de caminho, é o abandono de uma vida que erra seu alvo, sua direção. O arrependimento, portanto, é essa mudança de direção de um caminho que se afasta de Deus e o desconhece, para o redirecionamento consciente para uma vida na sua Presença.

E o que é a verdadeira vida? É conhecer a Deus e andar com Ele. Ele, que é a única fonte e o doador da vida que vivemos debaixo do sol, esse sopro que nos anima em nossa existência, mas que pode ir além, porque Ele é também o doador da vida eterna que só existirá diante d’Aquele que é Santo, se formos transformados nesta vida, pela vida eterna que Jesus nos dá.

Religare é um projeto de conhecimento, reflexão e prática, a partir da meditação nas Escrituras e nos desafios da vida cristã nos dias de hoje. Estamos aprendendo, passo a passo. O nome – religare – decorre, portanto, da possibilidade semântica desse verbo, no latim “religar, atar, apertar, ligar bem”. Assim, em uma conversa que remonta à Antiguidade, Religare é (em meu entendimento) também relegere, que significa “reler” ou “revisitar”, este, associado ao ato da constante releitura e interpretação dos textos sagrados. Esses dois verbos indicam ação, interação, aprendizado continuo e paciente.

Dão uma pista para a proposta deste site, no anelo pela presença de Deus e na certeza da ressurreição do Senhor Jesus, que nos chama ao arrependimento que é a mudança de direção de uma vida sem Deus ou alheia ao seu amor, para uma vida que vai sendo transformada pelo seu conhecimento e comunhão.

Só quando entendemos esse sentido maior da vida, do caminhar com Deus, é que as palavras religare e relegere apontam para um sentido real, prático, transformador, para além da religião ou dos ensimesmamentos de nossa época. Para além delas mesmas na verdade, pois se trata não de uma filosofia ou doutrina, mas da relação com o Criador. Somos convidados a algo maior, a uma realidade mais ampla, bela, plena de esperança e confiança em Deus e na transformação pelo seu amor.

Eu amo a Deus.

Foto de Euler Sandeville Jr., 2011, remador

Deixe um comentário

Faça o login usando um destes métodos para comentar:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s