Covid-19 no Estado de São Paulo: evolução e tendência no ano de 2020 até dia 31 de dezembro

cuidem-se (=máscara, distanciamento social, higienização pessoal, de objetos e lugares)

Euler Sandeville e Bruna Palma
Instituto da Paisagem
04 de janeiro de 2021

Antes de mais nada, os números de dezembro permanecem elevados e preocupantes, cujo resultado poderá se mostrar muito negativo nos próximos quinze dias. O risco alto atual e de piora que pode acarretar não permite justificar o laceamento da orientação do Estado e do comportamento da população neste momento. Esses são números muito altos, muita tristeza que poderia ter sido evitada em grande parte, talvez, quase pela metade.

Devemos ainda observar que esses dados são apenas parciais, mostrando os casos confirmados e as mortes confirmadas. Quanto a estas, há um número significativo de mortes não confirmadas, na categoria de prováveis decorrências do Covid-19, mas sem a confirmação, seja por conta das formas de registro, seja por conta da precariedade de muitas unidades de saúde para realizar testes e exames adequados. Reportagem da BBC, por André Biernath com Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19 e Miguel Buelta (Poli USP), reforça esta observação que fazemos1 (o estudo está disponível em Rede Análise COVID-19 2):

Em 2019, o Brasil contabilizou 4.852 mortes por SRAG. Já no ano de 2020, o número de óbitos por essa mesma condição estava em 229,1 mil até o dia 1º de novembro. Desse total registrado, 151,5 mil tiveram a covid-19 confirmada. Numa conta simples de subtração, dá pra concluir que cerca de 75 mil mortes por SRAG ocorridas ao longo dos últimos meses não tiveram sua origem esclarecida. Porém, em um ano de pandemia, com alta circulação de um novo tipo de coronavírus, especialistas dizem ser possível afirmar que a maioria dessas pessoas deve ter tido Covid-19.

O estudo a que se refere acima está em Cria-se assim uma falsa impressão, reforçada também por mais um aspecto. Os mortos são uma porcentagem dos casos confirmados, dando a impressão de dois extremos cristalinos, contágio (sub notificado) e os casos extremos que terminam em morte. No entanto, não é apenas isso o que está ocorrendo e não se trata apenas da distância entre a vida e a morte, entre casos assintomáticos e extremos.

Muitos casos extremos, sem morte, implicam em longas internações nas UTIs, com forte desgaste emocional e sequelas subsequentes, demandando longo acompanhamento e por vezes limitações severas decorrentes, com implicações pulmonares duradouras, por vezes com comprometimento relevante da capacidade, sequelas neurológicas e de outras naturezas.

Essas informações não são divulgadas amplamente – não é que os dados não existam, mas que não são amplamente divulgados e informados preventivamente à população -, impedindo uma compreensão pública da extensão do dano e dos riscos implicados, fazendo parecer que o risco extremo se resume à morte, o que não é verdade, e que a gestão dos leitos e recursos a ele ligados e a triagem por sintomas define o limite da responsabilidade sanitária do Estado e os padrões de risco, o que também não é exato.

Não é exato porque, embora necessária essa gestão, não há uma gestão do risco, que se traduz não em números, mas em vidas afetadas em que, a recuperação, quando ocorre, é longa e com prejuízos permanentes ou exigindo cuidados prolongados. Isso coloca um universo ainda pouco percebido e grave entre o número de casos e de mortos.

Em dezembro, considerando só casos confirmados, pois casos suspeitos não estão contabilizados aí, tivemos o total de

4.622 mortos no Estado,

2.429 na Região metropolitana

1.278 na capital (confirmando as projeções de que ultrapassaria na cidade os 1.000 mortos).

Portanto, um número bem mais elevado do que nos últimos dois meses (Figuras 1 a 3), indicando que ainda estamos em uma curva que tende a ser ascendente apesar das variações diárias e semanais das notificações.

Figura 1
Figura 2
Figura 3

Como se poderá ver nos Figuras 1 a 4, o número de casos em dezembro de 2020 é elevado e, embora o número de mortos nesse mês permaneça bastante elevado, a porcentagem entre casos notificados e mortos confirmados por Covid-19 diminuiu no decorrer do ano, como fica claro na Figura 4. Pode-se observar que os resultados foram bem piores na fase inicial até abril, melhorando progressivamente depois de julho. Por exemplo, o total de mortos em dezembro é inferior a maio, embora o total de casos seja bem superior.

Figura 4

Muitos fatores podem ser indicados relativizando um pouco esse resultado, mas pensamos que expressa também um melhor entendimento das dinâmicas médicas e hospitalares no enfrentamento da pandemia nos casos mais graves pelos médicos e demais profissionais da saúde, aos quais cabe sempre uma nota de respeito público pelo papel corajoso e dedicado, muitas vezes sem os recursos adequandos, desempenhado nessa crise.

Se em dezembro o número de mortos em relação a casos notificados seguisse a porcentagem de maio, por exemplo, com o total de casos notificados no município em dezembro a partir do relaxamento dos cuidados preventivos pela sociedade, poderíamos ter chegado a algo em torno de 3.500 mortos na capital ao invés de 1.278 mortos. Este, ainda um número bastante elevado e que poderia ser substancialmente menor se apenas tivesse havido um maior cuidado do governo e da população.

Isso indica, a nosso ver, que está sendo feito um cálculo de risco muito perigoso e preocupante neste momento, para o qual haveria alternativas consensualizadas possíveis, que fariam sem dúvida com que o número de mortos seria desde outubro substancialmente mais baixo.

Ao observarmos a variação a cada 14 dias e a cada semana, os números de dezembro são bastante altos (Figuras 5 e 6). A variação semanal indica novo aumento na última semana ( Figuras 7 e 8). Certa variação é esperada na dinâmica de notificação e não pode ser conclusiva senão no tempo. A linha em novembro e dezembro, após uma alta abrupta e muito significativa, permanece em um patamar, cujo comportamento será decidido com a chegada dos dados de janeiro.

Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8

Outra coisa que se pode ver pela Figura 1 é que a partir de junho a porcentagem de casos no Estado fora da Região Metropolitana de São Paulo aumentou bastante e é particularmente alta em dezembro.

Para se ter uma ideia na mudança que houve nessa configuração, se tomássemos apenas os casos notificados em maio, apenas o município de São Paulo registrava 52% dos casos do Estado e o conjunto da RMSP mais de 74% dos casos. A concentração de mortos na RMSP como um todo era ainda mais elevada, chegando a 82% dos mortos no Estado e se considerarmos apenas o município de São Paulo tínhamos 52,6% dos mortos no Estado ( Figuras 9 e 10).

Ao se encerrar o ano, porcentagem de casos notificados no decorrer de 2020, considerando-se o município de São Paulo e os demais da RMSP, ultrapassa os 45% dos casos notificados no Estado e no caso de mortos confirmados por Covid-19 se aproxima dos 60% na RMSP. Infelizmente (veja novamente as Figuras 1 e 2), isso indica uma dispersão do contágio mais ampla pelo Estado.

Para o entendimento melhor dessa dinâmica de dispersão espacial do Covid-19 no Estado, indicamos

A matéria da BBC 2, tratando também do descompasso entre a observação e os dados que muitos que acompanham a evolução da pandemia estão sentindo, observa ainda que 3:

É preciso considerar aqui questões burocráticas. Há relatos de que os sistemas de informática utilizados para computar as mortes não são nada fáceis de operar e consomem muito tempo de trabalho.

Vivemos também o final do mandato de muitos prefeitos. Os novos responsáveis pela administração das cidades assumem a partir de janeiro e a troca dos secretários e das equipes na área de saúde pode atravancar ainda mais esse processo.

Para completar, com o fim de ano, muitos funcionários do setor público e privado tiram férias ou entram em recesso, restringindo ainda mais a mão de obra necessária para manter tudo atualizado.

Com isso, eventuais quedas repentinas nos números de casos e mortes por covid-19 observados nos últimos dias ou em fins de semana (e que podem se repetir daqui para a frente) podem ser artificiais e não representar a realidade.

“É provável que a partir da segunda quinzena de janeiro todos esses dados que estão represados apareçam de uma só vez”, antevê Schrarstzhaupt. “No atual estágio da pandemia, tudo indica que vemos apenas a ponta do iceberg e há muita coisa escondida por baixo desse mar de dados”, completa o cientista.


como citar

SANDEVILLE JR., Euler, PALMA, Bruna Feliciano. Covid-19 no Estado de São Paulo: evolução e tendência no ano de 2020. São Paulo: Instituto da Paisagem Projeto Biosphera21, Ensino e Pesquisa (https://ensinoepesquisa.net.br/), on line, 2020 [dez].


notas

1. Reportagem de André Biernath. BBC News Brasil em São Paulo, de 30 de dezembro de 2020. Mortes por covid-19 no Brasil estão 50% acima do que apontam dados oficiais, calculam especialistas. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55481551

2. Estudo disponível em https://redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/11/21/uma-analise-conservadora-quantos-obitos-por-covid%e2%80%9019-podem-ter-ocorrido-no-brasil-e-seus-estados/

3. Reportagem de André Biernath. BBC News Brasil em São Paulo, de 30 de dezembro de 2020. Mortes por covid-19 no Brasil estão 50% acima do que apontam dados oficiais, calculam especialistas. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55481551

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