ano novo: o mundo não mudou

ano novo: o mundo não mudou
Euler Sandeville Jr.
25 de novembro de 2017

O mundo não mudou, e não parece ter melhorado. 2018 se aproxima. Onde e como eu estava há 10 anos atrás? Encontrar pessoas desses tempos impressos na alma, que se entrelaçaram em em meu caminhar por um pouco me faz conhecê-las em sua intimidade sensível e esse processo coloca-me face a face com minha transformação em processo, meu passado, minhas esperanças e détours. Os olhos de alguém, o brilho da pele iluminada pelo sorriso ou pela tristeza, no fim, falam de todos nós. Estas fotos são de 10 anos atrás, e o que me dizem agora? Falam do que vivi, de coisas que fazem parte de mim, do que sou em processo, mas não necessariamente me definem quando ponho em vista a existência já vivida em toda a sua extensão. Acho que, literalmente, olhava o impossível, de tão perto das fronteiras da consciência com as quais flertava transposições como quem contempla do penhasco a tormenta, que assombra plúmbea nossa contemplação da natureza imensa em que o corpo se torna ínfimo. Eu mesmo era meu impossível… Em parte era livre para vagar como a cascata, mas a cascata em seu delírio não percebe o que arrasta na água. Invade as pedras amontoadas, desejando de passagem sua erosão lenta, muito lenta erosão de formas esculpidas em um tempo muito, muito lento nesse ser, hora as rochas do mundo, hora o fluxo das águas. Há pessoas que procuram a ordem, o comportamento, porque temem demais a desorganização, e porque tudo o que conhecem está protegido em uma ordem prestes a se dissolver, onde a transgressão é mudar de canal, usar uma sandália diferente, falar algo sem graça, denunciar ou confrontar, sem perceber-se nesse perceber o outro, um outro qualquer, desde que seja um outro, ou ainda, fazer coisas extremas que não vão muito além de olhar o mundo pela fechadura. Não podemos supor que quem seja assim seja livre. Esse comum pintado de incomum, como se houvesse nisso algum valor em um mundo sem valor, como quem se compraz em suas prisões sem sabê-lo, imaginando-se livre no que, aos próprios olhos, imagina que nos outros é prisão. Esse horizonte “incomum” dos próprios olhos… Mas, o que dizer de quando a condição incompreensível extrema é o seu estado natural, que flui entre o que é profundo e o que é mundo, onde a ordem é apenas uma outra forma da desordem, onde a pulsão é como o fluxo da cachoeira da paixão que na embriaguez da dor das paixões perdidas e nos êxtases dos momentos de encontro se esvai como poesia e tintas sobre um quadro? Coloquei-me tantas vezes nos limites do compreensível. E quando você percebe que esse caminho se torna também uma prisão? Quando a insanidade da consciência alterada começa a alterar seus atos e pensamentos, a redefinir o que você é? Quando todo o prazer parece estar em desfrutar o limite intocável e frágil da existência? Pode haver um momento em que você percebe que superar-se é sair de onde está para um outro lugar, em que a estética da noite possa ceder a uma nova estética do dia e da noite e o passado já não seja só dor de lembranças que já nem doem nem se despregam do ser como arte em desastre e desatino? Pode ainda tornar-se criação e reencontro com a pureza, renovando o olhar já um pouco amortecido pela transposição de tantas praias tateadas no desconhecido ou nas rotas selvagens da cidade? Não se trata de não gostar do passado, de tornar-me estranho a mim mesmo na sucessão de imagens que o tempo transforma, muito pelo contrário. Fui feliz, ainda que com um tanto de infelicidade. Mas as respostas das buscas intensas não satisfizeram, como aquele que apenas balbucia diante de perguntas difíceis. O reencontro com a pureza que ainda esvai em cada gesto de pulsão encontra o próprio limite da existência e da coerência, dissolvendo-se nas frestas das possibilidades, gerando perdas das pessoas amadas, diluindo-se na memória em tranposição contínua de si. E se, no limite, a perda de controle já não é apenas escolha, porque a consciência, de tão extrema, já não discerne mais? É, então, ainda possível voltar? E voltar mais pleno de sensibilidade? Reconstruir, mais pleno de sentidos? Reencontrar sentidos desfeitos, as convicções mais sagradas amortecidas na incapacidade e no medo de não ser capaz de seguir a Deus? Dei esse passo, percorri todos os caminhos tortuosos e tropecei por seus becos e abismos, quando o caminho que me parecia por demais evidente também me parecia impossível e velado em sua transparência radical. Tocado por esse caminho dei o passo que temia discernir e ser incapaz, e vejo o tempo imenso perdido desvelar-se agora como oportunidade à frente. Que questão maior pode haver, do que essa diante da imensidão infinita de Deus, em que percebo a existência humana que me transcende em gerações, em um cosmo vigoroso e belo, sem possibilidade de entendimento em sua imensidão, e ainda um gesto criador de amor? Agora as questões já não são o levar-se sem governo pelas enxurradas das profundidades pantanosas da alma, mas suas possibilidades diante da vida: estou aprendendo a amar? Aprendendo, no viver, no errar, no suplantar. O que me parecia paixão em sua pureza intensa ainda não sabia a necessidade do tempo e da calma, do amadurecimento, da lenta passagem da existência sob a luz das estrelas e da persistência suave do amor. Passagem que, dia a dia, ao longo do ano, vai deixando uma trilha em que a alma sensível descobre que não é jamais a mesma; mas não se define na novidade e no revolver-se e sim na calma e na paz: cair de joelhos diante de Deus e de seu amor. Experiência extraordinária. Entregar-me a tudo o que no mais íntimo e profundo creio e abrir sempre os olhos em um lugar que se renova pelo Seu toque e Seu amor, ensinando-me a amar. Deixar esse peso sedutor que me devora na desorganização do tatear os desejos para reencontrar a luz intensa de um caminho novo que se desvela aos poucos entre as sombras do devir, que aos passos que dou se ilumina e mostra a intuição do caminho a percorrer. Percorrendo. Superar-me, reencontrar-me? Sou feliz? Sim, sou a maior parte do tempo, embora saiba que não estou pronto e me sinta ainda pouco preparado, por que, quem, de fato, o está? A questão é e sempre foi mesmo quando agitado em minhas dores e profundidades não percebia: estou aprendendo a amar? É necessário e possível abrir os olhos com uma luz nova e intensa, ainda que desconhecida, em paz. Lutas, todos teremos, momentos de inquietação também. Mas, quando há paz, ela os atravessa como um bálsamo; quando se ouve o sussurro de Deus no vento de sua Palavra, a alma encontra o caminho. Um dia crescemos, outro esquecemos, outro simplesmente vivemos e nos confrontamos um pouco pelas possibilidades de escolher e um pouco pelos riscos de não fazê-lo nesse caminho de aprendizagem nova, ainda não trilhada. As mudanças e curas relevantes não são exteriores. Porque a febre também não é exterior. A alma sedenta de Deus será saciada, não em um futuro longínquo, mas no achegar-se à Sua doce voz no tempo imenso que se chama agora, que condensa e agasalha o vivido e o herdado e o devir e o legar. Amar adquire novo sentido, nova dimensão, natural como a essência da vida, querendo brotar da alma e atravessar seus conflitos. Cada vez que o amar é estrangulado pela mágoa, pelo orgulho, pela arrogância, pela ira, é como se voltássemos as costas para Deus, por vezes falando d’Ele. Estou aprendendo seu significado, sua extensão, e seu significado me renova e me ensina a prosseguir, me desafia a uma nova liberdade, a um novo respirar. Sim, há lutas, lutas do dia a dia, lutas íntimas até muito intensas e não há em nós a possibilidade da perfeição ou um seguro para a isenção do erro, mas é apenas diante dessas possibilidades que podemos aprender a crescer e aprender o peso de quando abraçamos o alvo em erro. Por vezes isso assusta. Mas, do contrário não haveria o que aprender e teríamos negado nossa humanidade, nos enganaríamos sobre quem de fato somos e sobre o caminho no qual devemos aprender a definir o que somos. Para Deus, em Cristo. Ah, sim, o ano novo…, bem, já disse o suficiente sobre isso.

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