Euler Sandeville
Bruna Feliciano Palma
(dez. 2020, veja como citar
no final da página)
Os óbitos registrados nos mapas e gráficos abaixo, indicando sua distribuição na cidade e mortos por faixas de idade e escolaridade, mostram a distribuição do luto na cidade de São Paulo.
São pessoas, amigos, familiares, que muitos perderam nesses meses de pandemia.
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Nessa publicação do processo em curso analisamos a distribuição no território urbano de casos, mortos e também de mortos em função de idade e escolaridade na cidade em 5 diferentes regiões definidas por indicadores sociais. Para visualizar como a pandemia afeta diferentes regiões da cidade, foram recortadas cinco áreas de acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS 2010). Selecionamos 4 regiões com altos índices de vulnerabilidade (Noroeste, Sul, Leste 1 e Leste 2) e uma região central com os menores índices de vulnerabilidade (Figura 1). Os mapas resumidos na figura 1 podem ser acessados logo abaixo (Figuras 2 a 5) em maior dimensão para que se possa analisar melhor os dados.
A seleção não esgota o estudo dos Distritos, mas procurou identificar regiões relativamente conectadas que concentram indicadores das condições de vida dos paulistanos para estudo exploratório, selecionando 6 regiões para estudo: uma central expandida a fim de inclçuir setores a norte e a sudoeste de maior renda, e 5 periféricas, sendo duas no extremo leste da cidade, uma a noroeste, onde realizamos os estudos do Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá Perus, uma a Sul na região de mananciais. Como se poderá observar, os dados de concentração de renda localizam-se em uma área mais central da cidade e os indicadores de maior vulnerabilidade localizam-se nas regiões mais periféricas do município.

Figuras 2 a 5
O grave crescimento de casos do COVID-19 a partir de outubro pode ter, mas registro de casos e de óbitos, a semana epidemiológica de 31/10 a 7/11 como ponto de inflexão na curva. Depois de dois meses de diminuição constante no número de casos novos de infecção por coronavírus, ao final de outubro a tendência de queda foi revertida com um aumento de 137% para os casos notificados a cada duas semanas epidemiológicas e de 67% para os óbitos. Entre 10 e 24 de outubro haviam sido registrados 9.020 novos casos na cidade de São Paulo; entre 07 e 21 de novembro, foram registrados 21.381 novos casos; o número de óbitos a cada duas semanas epidemiológicas aumentou no mesmo período de 271 para 454. Esse processo continua, de 7/11 a 12/12 foram registrados 52.312 novos casos e 1.229 mortes na cidade, configurando uma clara curva ascendente.
Segundo os dados totais até novembro para a cidade de São Paulo, disponibilizados pela Fundação SEADE (consulta em 26/11), mais mulheres são infectadas, mas a mortalidade (letalidade de 3,4% e 5,0% respectivamente) é maior entre homens. Há uma porcentagem maior de Brancos contaminados (53,3%) e mortos (58,8%), mas a letalidade é bem superior entre Pretos (Brancos 4,6%, pardos 3,5%, Pretos 6,1%). De longe, as doenças preexistentes, no caso de morte, são Cardiopatias (53,0%) e Diabetes (36,4%) seguidas de doenças neurológicas (11,2%). No entanto as letalidades mais elevadas são no caso de doenças neurológicas (53%), pneumopatias (45,8%) e doenças hepáticas (53%). Chama atenção que não são disponibilizados nessas estatísticas dados socioeconômicos, que seriam de fundamental importância para a análise da pandemia, obrigando a estabelecer correlações a partir de dados na escala de distritos, permitindo um refinamento insuficiente dos efeitos na cidade, que deveriam orientar ações locais.
A maior faixa de contágio está abaixo dos 50 anos e acima dos 30 (44,8% dos casos registrados); no entanto, os casos registrados abaixo de 40 anos somam 47,5%, onde a subnotificação pode ser maior, pois jovens muitas vezes demonstram menos sintomas. Se considerarmos a faixa entre 20 e 59 anos, temos 76,2% dos casos registrados. Os casos registrados abaixo de 50 anos equivalem a 68,4% dos casos, portanto, quase 70% dos casos registrados atingiram pessoas nessa idade. Ao contrário, a mortalidade concentra-se em pessoas com mais de 60 anos, onde, inversamente, concentram-se os mortos na cidade em decorrência da pandemia (77,8% das pessoas que morreram na cidade da doença tinham mais de 60 anos).
Da mesma forma, é nessa faixa acima dos 60 anos que a letalidade da doença é expressivamente maior. Para as pessoas que contraem a doença acima de 80 anos, a letalidade atualmente é de 36%, entre 70 e 79 de 22,3%, e entre 60 e 69 anos morreram 10,4% das pessoas que contraíram a doença nessa faixa de idade. Isso quer dizer que as mortes acima de 90 anos correspondem a 8,4% das pessoas que morreram da doença na cidade, por ser uma faixa etária com um contingente menor de pessoas, mas a letalidade das pessoas que contraíram a doença nessa faixa etária foi de 36%. A letalidade decai substancialmente abaixo dos 60 anos (3,5% na faixa de 50 a 59 anos e 1,2% na faixa de 40 a 49 anos), sendo que abaixo de 40 anos começa a ser bem inferior a 1%. Embora a letalidade seja menor, a dor da perda das famílias de modo algum o é, com a interrupção brusca da vida em uma faixa etária que apenas começa a descobrir sua potencialidade.
Esses dados não são meras quantidades que dizem respeito apenas à idade das pessoas ou seu risco à ação do vírus. Mostram também as consequências das práticas sociais e dos valores que orientam o comportamento das pessoas. Vem sendo considerado que a diminuição dos cuidados preventivos e de distanciamento social, uma vez que apenas uma pequena parcela pode permanecer no isolamento social, é maior em grupos mais jovens, o que encontra apoio dos dados disponíveis. Isso agrava a condição de dispersão e os efeitos da pandemia, porque a maior quantidade de pessoas contaminadas com casos registrados, como vimos, é jovem, faixas etárias em que a subnotificação tende a ser maior. Uma análise da configuração territorial da pandemia neste momento parece confirmar essas condições.
O grave crescimento de casos do COVID-19 a partir de outubro pode ser revertido, mas isso demanda uma mudança de atitude solidária e responsável e o apoio correto das orientações governamentais, sendo uma mudança necessária a adoção de estratégias territoriais que considerem as diferentes dinâmicas espaciais no enfrentamento da pandemia nos grandes centros, a qual já foi apontada por outros estudos, mas que não foi considerada nem a nível municipal, estadual ou federal.
Comparamos, em agosto e depois em novembro, os óbitos em cada uma dessas cindo regiões que adotamos para estudo, segundo a faixa etária e a escolaridade de quem morreu, chegando à conclusão de que:
- nos locais com maior índice de vulnerabilidade social mais pessoas jovens morreram,
- enquanto nos distritos de maior renda as mortes se concentram nas pessoas com mais de 75 anos.
Quanto à escolaridade, a maior parte das mortes estavam relacionadas às menores escolaridades, principalmente em pessoas que não obtiveram ensino superior, mesmo na região central. É importante ressaltar que a maior parte dos trabalhos que foram submetidos à teletrabalho exigem formação superior, e por isso a escolaridade se mostrou como um fator que afeta a maneira como a população será atingida pela pandemia (Figuras 6 a 10). A comparação realizada para agosto e novembro mostra uma estabilidade desse padrão na cidade.
Figuras 6 a 10
Ao analisarmos a evolução da pandemia em distritos da zona noroeste e zona central nos meses de maio a julho, foram identificados momentos e pandemias diferentes: foram diferentes números, diferentes momentos de pico e diferentes pessoas afetadas pelo vírus em cada distrito (figuras 11, 12 e 13). Essa variação persiste em outros momentos, demandando cuidado na análise de dados globais da cidade para efeitos de orientação à população e políticas públicas.
Os distritos com o maior número de óbitos (até 14 de julho de 2020) eram Brasilândia, Freguesia do Ó e Cachoeirinha, respectivamente. Os distritos com o menor número de óbitos eram Barra Funda e Sé. Na maior parte dos distritos, o número de mortes por quinzena caia entre as semanas epidemiológicas 21 e 23 (17/05 a 06/06). A única exceção era a Lapa, a qual apresenta um aumento expressivo no número de mortes entre as semanas 23 e 25 (31/05 a 20/06), coincidindo com o período de flexibilização. Os distritos da periferia noroeste já apresentavam nessa fase inicial da pandemia (dados de 14 de julho de 2020, Figura 13) mortes de pessoas mais jovens, assim como o padrão observado em outras periferias.
No distrito da Sé, o número de casos e óbitos se manteve baixo, no entanto, pessoas mais jovens morreram, contrário à tendência observada para a região central como um todo. No entanto, enquanto a queda no número de casos era observada a partir do final de agosto para a cidade, os números permaneceram altos nos distritos da periferia noroeste, com Brasilândia ainda apresentando 60 novos casos a 14 dias no mesmo período em que a Sé apresentava apenas 2 novos casos.



A queda nos casos que era naquele momento observada desde o final de agosto já demandava ser analisada com cuidado – a queda não eera a mesma em todos os lugares, e o risco em circular pela cidade varia de acordo com o local. Além disso, no mês de setembro houve uma diminuição de 11,5% nos testes realizados no país inteiro. A diminuição de testes conjuntamente uma diminuição do isolamento já indicava um evidente cenário perigoso, que veio a se confirmar a partir de outubro. A pandemia não acabou e o isolamento ainda é primordial.
Essa distribuição desigual mostra o impacto da vulnerabilidade social na dispersão e efeitos da pandemia, que não é percebida apenas ao se olhar os números da cidade como um todo. Esses números totais continuam válidos para a prevenção, na medida em que há dispersão da pandemia por toda a cidade, não isentando ninguém dos cuidados preventivos, mas não revela o efeito diferencial da pandemia na população paulistana.
Para compreender uma segunda onda da pandemia, é imprescindível levar em consideração sua dinâmica territorial, o que não ocorreu durante a primeira onda por parte dos governos federal, estadual e municipal.
Nos mapas abaixo (Figura 14) vemos a distribuição de casos (Figuras 19 a 22) e óbitos (Figuras 15 a 18) na cidade de São Paulo por Distritos nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro. A notificação de casos que no auge da pandemia concentravam-se nos distritos periféricos, apresenta a partir de outubro uma mudança, claramente perceptível em novembro, quando começa a apresentar novamente índices mais elevados nas áreas centrais, ainda que se note a dispersão de casos por todo o conjunto urbano.
É possível que se deva ao relaxamento com os cuidados preventivos no cotidiano e concentrações em locais de lazer, em fins de semana, feriados e nas eleições. Seria assim decorrente, neste momento, de um fator comportamental, porém, é provável que com o novo agravamento da doença o padrão que notamos em agosto volte a se repetir na cidade.
Quando observamos a distribuição dos óbitos, vemos que se deslocam de agosto, onde se concentram nas periferias, indicando o impacto da vulnerabilidade socioambiental maior da pandemia, para uma coroa aproximadamente intermediária entre as regiões centrais e periféricas, onde os óbitos permaneciam proporcionalmente altos ao longo desses meses. Mais do que isso, essa distribuição dos óbitos marca o luto da cidade ao longo desses meses de pandemia.

Figuras 15 a 18: distribuição de óbitos na cidade de São Paulo em agosto, setembro, outubro, novembro
Figuras 19 a 22: distribuição de casos na cidade de São Paulo em agosto, setembro, outubro, novembro
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como citar
SANDEVILLE JR., Euler, PALMA, Bruna Feliciano. O luto da pandemia na cidade de São Paulo: distribuição espacial, idade e escolaridade. São Paulo: Instituto da Paisagem Projeto Biosphera21, Ensino e Pesquisa (https://ensinoepesquisa.net.br/), on line, 2020 [dez].
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