distribuição espacial dos casos de Covid-19 em setembro, outubro e novembro na cidade de São Paulo

Euler Sandeville
Bruna Feliciano Palma
(nov. 2020)

Realizamos um monitoramento até a semana epidemiológica 47, encerrada em 21 de novembro, sobre a evolução espacial da pandemia na cidade de São Paulo, segundo dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde pelo sistema Tabnet e pela Fundação SEADE, analisando os dados de casos e de mortes a partir desse novo crescimento das curvas no momento em curso. Primeiramente, é preciso espacializar os dados para obter dimensão de onde na cidade a pandemia cresce. Para isso, foram mapeados os casos notificados em setembro, outubro e novembro por distrito (Figura 1, 2 e 3).

Figura 1. Distribuição de casos notificados em setembro no município de São Paulo, org. Instituto da Paisagem por Bruna Feliciano Palma, fonte Tabnet/SMS; GeoInfo
Figura 2. Distribuição de casos notificados em outubro no município de São Paulo, org. Instituto da Paisagem por Bruna Feliciano Palma, fonte Tabnet/SMS; GeoInfo
Figura 3. Distribuição de casos notificados em novembro no município de São Paulo, org. Instituto da Paisagem por Bruna Feliciano Palma, fonte Tabnet/SMS; GeoInfo

Como pode ser observado, entre setembro e outubro, meses em que havia sido registrada queda no número de novos casos, os casos estavam generalizados pelo território da cidade, mas concentrados principalmente nas periferias da zona sul (Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim São Luís, Grajaú), leste (Sapopemba e Itaquera) e noroeste (Brasilândia, Jaraguá, Pirituba).

Em outubro, agravam-se os casos especialmente em Sacomã, Sapopemba, Capão Redondo, Grajaú, Jaraguá, e Pirituba, ao mesmo tempo em que diminuem em outras periferias como é o caso de Itaquera. A partir de novembro, quando há novamente o aumento, o padrão observado difere: há um deslocamento dos casos das periferias para uma faixa entre o centro, nordeste e oeste da cidade. Destacam-se os distritos de Tucuruvi e Vila Maria (nordeste), Santa Cecília, Jardim Paulista, Pinheiros e Itaim Bibi (região central), Rio Pequeno à oeste, e Marsilac na região do extremo sul.

No decorrer da pandemia, diferentes estudos, como aqueles realizados pelo Labcidade, demonstraram que a concentração de casos estava relacionada à lugares em que predominavam viagens a motivo de trabalho. Estudos feitos pelo Instituto das Cidades demonstraram que a maior mortalidade do vírus estava relacionada principalmente com trabalhadores autônomos que utilizavam o transporte público. Neste primeiro momento, o aumento de casos estava, portanto, diretamente relacionado com a impossibilidade de realizar o distanciamento por quem continuou trabalhando presencialmente e utilizando transporte público para chegar ao trabalho, em especial os trabalhadores autônomos, que muitas vezes são trabalhadores na informalidade, que tem no trabalho presencial, nas ruas, sua principal fonte de renda (Figura 4).

Figura 4. Informalidade na cidade de São Paulo, org. Instituto da Paisagem por Bruna Feliciano Palma, fonte: Pesquisa OD 2017/SMS; GeoInfo

Cada lugar deve ser analisado com suas particularidades, como é o caso de Rio Pequeno, lugar em que a concentração de trabalho informal coincide com o aumento de casos. Não é o caso da maior parte da região central na fase atual, cujo aumento poderia ser explicado por uma flexibilização mais geral do distanciamento. Se antes a região central estava relativamente protegida pelo regime de teletrabalho, a flexibilização quase total do distanciamento coloca a região como um novo foco da doença. Dadas as condições de moradia, trabalho e mobilidade das classes de renda mais baixas, esse aumento de casos nas áreas mais centrais poderá repercutir negativamente nos ocorrências nas regiões mais periféricas, tal como foi na primeira fase.

É importante ressaltar que um regime de isolamento total por quase um ano se torna cada dia mais inviável, ainda que seja necessário ampliar ou ponderar mais pausadamente as formas de reabertura. No entanto, em um momento de aumento de casos, um enfrentamento com estratégias localizadas, que utilizasse a dimensão territorial para definir onde realizar um aumento de testagens, onde reforçar medidas protetivas, onde direcionar cuidados especiais, com o mapeamento da transmissão, se mostrou como a maneira mais eficiente de lidar com a pandemia em outros locais. Isso permitiria também o controle e a orientação mais direta à população nas medidas sanitárias e o suporte mais adequado às regiões vulneráveis através dos serviços e órgãos públicos descentralizados. Ao mesmo tempo, é importante também para a população ter conhecimento dos diferentes níveis de risco ao sair de casa.

Um outro aspecto a ser considerado é o da desigualdade social brutal na cidade, com uma série de agravamentos e riscos difíceis de contornar, mesmo que houvesse uma política pública que levasse em conta essa condição territorial e social mais claramente. Com relação à ocorrência territorial e à desigualdade da pandemia na cidade, os estudos que fizemos demonstram a diferenciação contundente dos efeitos da pandemia também em função das condições de moradia, trabalho, acesso aos serviços de saúde e renda e grau de instrução.

Ao analisar os dados sobre mortalidade em diferentes regiões da cidade, delimitadas de acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, o que foi encontrado é que nas regiões com maiores índices de vulnerabilidade, as mortes ocorrem em pessoas mais jovens. Na região Sul, por exemplo, 36,4% das mortes foram de pessoas com menos de 65 anos, 26,6% em pessoas entre 65 a 74 anos e 37% em pessoas com mais de 75 anos. Já na região central, com os menores índices de vulnerabilidade, 17,8% das mortes se deram em pessoas com menos de 65 anos, 19,5% em pessoas entre 65 e 74 anos, e 62,8% em pessoas com mais de 75 anos. Além disso, para toda a cidade foi verificada uma predominância de menor escolaridade nas pessoas que morreram – há uma concentração de morte principalmente nas pessoas sem ensino superior completo, situação que é verificada mesmo para o centro. A escolaridade, nesse caso, pode aparecer também como um demarcador de renda (Figura 5).

Figura 5. Óbitos por Covid-19 segundo anos de estudo na cidade de São Paulo, região sul e central, org. Instituto da Paisagem por Bruna Feliciano Palma, fonte: Tabnet/SMS, 2020

Há, portanto, uma nítida expressão espacial da pandemia, que acompanha desigualdades anteriores e as intensifica, criando diferentes momentos da pandemia em cada local da cidade. Um enfrentamento para uma possível segunda onda – ou continuação da primeira – deve prioritariamente levar este fator em consideração.

Para alguns, pode ser desagradável o acompanhamento dos dados ou até parecer desnecessário, mas é, na verdade, um ato de cuidado com aqueles que amamos e com todos os demais. Realmente, pensamos que deva haver uma consciência maior de todas as pessoas, o que é também construção da cidadania e da democracia em um momento de crise, com quase duas centenas de milhares de mortes no país apenas pela dispersão da pandemia.

É responsabilidade individual e social considerarmos em nossas decisões todos os habitantes e, em especial, os estratos sociais mais vulneráveis, seja por faixas etárias, comorbidades, diferenças de gênero e raça e sobretudo diferenças decorrentes da nossa enorme desigualdade social, que não expõe todos da mesma forma.

Como vimos, essa informação está longe de ser mera porcentagem, mera quantidade. Ela reflete a dor das pessoas com a doença, isso sem uma estatística que indique agravamentos posteriores à alta, por vezes duradouros. A disseminação da pandemia pode ser estatística, para orientar decisões individuais e coletivas coerentes, mas a perda é sempre real e concreta, pessoal, em qualquer idade, marcando uma ruptura em nossa experiência e afetando nossos sentimentos. Daí porque a perda, seja em que idade for, não pode ser traduzida por estatísticas e daí porque essas estatísticas devem orientar as decisões que tomamos, sobretudo as políticas públicas e sua consideração a uma adequada informação educativa, atendimento de saúde local e políticas que enxerguem e atuem em consideração com as vulnerabilidades socioambientais da cidade.

Euler Sandeville Jr. é Professor, Arquiteto e Urbanista, Arte educador, Pós-Graduação em Ecologia, Mestrado, Doutorado e Livre Docência pela USP, gestor e pesquisador do Instituto da Paisagem

Bruna Feliciano de Palma é Estudante de Geografia, pesquisadora do Instituto da Paisagem.


como citar

SANDEVILLE JR., Euler, PALMA, Bruna Feliciano. A distribuição espacial dos casos de Covid-19 em setembro, outubro e novembro na cidade de São Paulo. São Paulo: Instituto da Paisagem Projeto Biosphera21, Ensino e Pesquisa (https://ensinoepesquisa.net.br/), on line, 2020 [nov].


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Foto Euler Sandeville, Folha, detalhe, 2009.
Folha, detalhe. Foto de Euler Sandeville, 2009.

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