a Terra é azul… que mundo é esse? parte 6. olhares que não enxergam os fossos

A TERRA AZUL [1] … QUE MUNDO É ESSE?
Parte 6. olhares que não enxergam os fossos
Euler Sandeville Jr.
versão inicial 2005/jan 2010/ 21/02/2016 a 05/03/2016. Última atualização: 05/03/2016


cite este artigo
SANDEVILLE JR., Euler. “A Terra azul…Que mundo é esse? 6. olhares que não enxergam os fossos”. Ensino e Pesquisa: A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2016.


Em 2015, uma foto registra o confronto da polícia com professores no Paraná (figura 16). Não é possível não considerá-la como montagem, midiática, e nesse caso bastante inteligente, recuperando subliminarmente a foto clássica. Seja montagem ou não, seja produção utilizando a força policial como cenário ou não, seu significado é claro, sua mensagem é direta. Seu objetivo é reproduzir, sob a evidência do registro, um sentimento já assimilado de recusa à violência e de indignação diante da covardia.

A foto em questão circulou nas redes sociais na ocasião e não disponho no momento de maiores informações sobre ela. No entanto, parece-me importante entender o uso midiático e a construção da imagem no mundo contemporâneo, seu potencial discursivo. De fato, a foto não representa apenas a violência cometida pelo governador Beto Richa e seu Secretário contra os professores na ocasião.Ela chama para si a competência de um discurso mais amplamente difundido, da resistência à violência e à injustiça.

Ainda no sentido de entender essa construção da imagem, anexo na figura 17 outra foto emblemática. Nesta a pessoa se expõe ao risco, mas não deixa de ser uma remissão à coragem para enfrentar uma força maior, que atua de modo injusto para manter pela violência a injustiça e a discriminação. Tenho em mente as marchas lideradas por Martin Luther King, que, pela fé e pelo direito, estabelece uma rica iconografia de resistência pacífica diante da maldade e da força bruta (figura 18), culminando com a ceifa de sua própria vida. Por uma questão de direitos autorais, fui obrigado a colocar a exaltação midiática e cinematográfica, de algo que foi, em seu momento, como outras coisas relatadas neste capítulo, tecido com o sacrifício de muitas vidas. Vejamos as três fotos:

Imagem realizada durante a greve de professores do Paraná em 2015, duramente reprimida pelo Governo de Beto Richa e seu Secretário da Educação. A foto circulou nas redes sociais em abril de 2015.
Foto Daniel Castellano/Gazeta do Povo. Fonte: Gazeta do Povo 12/02/2016, “Promotoria da Vara Militar pede arquivamento de inquérito sobre Batalha do Centro Cívico”. O sítio não indica restrições ao uso da imagem na data visitada. Disponível em gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/promotoria-da-vara-militar-pede-arquivamento-de-inquerito-sobre-batalha-do-centro-civico-afblqx2lhvatje48rum8xupmr acesso em 05/03/2016
Cartaz de Selma (Selma: Uma Luta pela Igualdade, Brasil). Realização Ava DuVernay, Argumento Paul Webb. Elenco David Oyelowo, Tom Wilkinson, Carmen Ejogo, Tim Roth, Oprah Winfrey. Lançamento EUA 25 de dezembro de 2014, Brasil 5 de fevereiro de 2015. O sítio não indica restrições ao uso da imagem na data visitada. Disponível em politicandors.blogspot.com.br/2015/07/resenha-selma.html acesso em 05/03/2016.

Nem todos os muros que estamos construindo nesse mundo contemporâneo, como talvez se possa perceber, são dados pela negativa da possibilidade de comunicação. Sua potência avassaladora e a distribuição desigual do acesso aos bens sociais freneticamente produzidos criam outros muros, invisíveis, entre nós. São inúmeros, alguns marcados paradoxalmente pela excelência e pela opulência de um lado e pela miséria de outro.

As maiores distâncias, que também existem, não estão de fato nos eventos catastróficos dos jornais e telejornais. Residem em nosso cotidiano, sob a escuridão de olhares que não enxergam os fossos sobre os quais pisam. Referem-se a toda a situação institucional do ensino, da saúde, do saneamento e dos modos de ocupação e transformação do território brasileiro. Temos nossos muros que segregam o espaço coletivo e institucional da cidade, e são tão concretos quanto aqueles que defendem berlinenses, estadunidenses e israelenses de seus vizinhos.

Em 2005, segundo o Censo Escolar, havia 49 milhões de alunos matriculados em nossas escolas públicas [22] (o que ultrapassava a população de três países: Chile, Paraguai e Uruguai), em um contexto em que se estimava (em 2000) o número de analfabetos com mais de 15 anos em 10,36 milhões de brasileiros. Nossas escolas públicas, entretanto, não são o lugar de formação das elites, exceto quando se chega à Universidade. Apenas conjunto muito restrito de instituições confessionais e empresas privadas diferenciam-se pela qualidade de ensino e pesquisa, ao lado das universidades públicas.

Porcentagem pequena da população atinge o ensino superior, ficando reservada à grande maioria dessa (pequena) porcentagem vagas em empresas (universidades?) com um compromisso tênue com o que chamamos de ensino, ainda que haja projetos um pouco mais tolerantes com as exigências da qualidade mínima ou média nesse mercado. Nossa excelência em escolas públicas contrasta com a distância em que nos encontramos dos demais níveis de ensino.

Mais do que isso, nos diversos níveis do ensino e também no universitário, as práticas acadêmicas [23] contrastam com a dimensão das necessidades concretas e oportunidades de ação que nos cercam, com a preparação de quadros para enfrentá-las. Muito embora saibamos bem traduzi-las em discursos que interpretam suas causas, a universidade frequentemente trata a sociedade e é tratada pela sociedade como uma realidade à parte. Também as necessidades, aviltadas diante de imensos desvios de dinheiro pela ganância de políticos e empresários, não são enfrentadas. Mas não por falta de dinheiro ou conhecimento, porque existem os recursos. Trata-se de exacerbação pela ganância desenfreada e pelo hedonismo.

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notas
1 Atualização parcial do texto base do memorial apresentado na Livre Docência em 2010, elaborado a partir de reelaboração crítica de texto de 2005.

22 “Os números obtidos no Censo Escolar de 2005 revelam a abrangência da cobertura deste levantamento. Foram contabilizados, aproximadamente, 56,5 milhões de matrículas e 207 mil estabelecimentos de ensino, distribuídos pelas diferentes etapas e modalidades da educação básica. Os números evidenciam também a magnitude da cobertura do atendimento escolar público, mostrando que 49 milhões de alunos da educação básica estudam em estabelecimentos públicos, sendo 25,3 milhões na rede municipal e 23,6 milhões na rede estadual.” INEP, 2006:32.

23 SANDEVILLE JR., Euler. Disciplina e Conhecimento. In Anais do Seminário Ensino de Arquitetura eUrbanismo. São Paulo: FAU USP, 2007a., SANDEVILLE JR., Euler. Fundamentos In: Seminário Ensino Arquitetura e Urbanismo São Paulo: FAUUSP, 2007b., SANDEVILLE JR., Euler. Participação e universidade. Universidade e participação In: Seminário Nacional Paisagem e Participação: Práticas no Espaço Livre Público, São Paulo, 2007c, SANDEVILLE JR., Euler. Paisagens vivenciadas, educação-pesquisa-aprendizado em ação. Anais do 10 ENEPEA – Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura. Porto Alegre: PUCRS, 2010


como citar material desta página:
SANDEVILLE JR., Euler. “A Terra azul…Que mundo é esse? 6. olhares que não enxergam os fossos”. Ensino e Pesquisa: A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2016.

[para citar este artigo conforme normas acadêmicas, copie e cole a referência acima (atualize dia, mês, ano da visita ao sítio)]


espiral da sensibilidade e do conhecimento
uma proposta de euler sandeville

 

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