a Terra é azul… que mundo é esse? parte 2: conhecer não é preciso…

A TERRA AZUL [1] … QUE MUNDO É ESSE?
Parte 2. conhecer não é preciso…

Euler Sandeville Jr.
versão inicial 2005/jan 2010/ 21/02/2016 a 05/03/2016. Última atualização: 05/03/2016


cite este artigo
SANDEVILLE JR., Euler. “A Terra azul…Que mundo é esse? 2: conhecer não é preciso…”. Ensino e Pesquisa: A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2016.


Sputnik 1, lançado em 4 de outubro de 1957, com 58 cm de diâmetro, antenas de até 3 metros, pesando 83 kg.
Disponível em nssdc.gsfc.nasa.gov/database/MasterCatalog?sc=1957-001B↑, acesso em 27/02/2016.

Assim começou Hannah Arendt, em 1958, atenta aos acontecimentos, seu livro sugestivamente intitulado A Condição Humana:

Em 1957, um objeto terrestre, feito pela mão do homem, foi lançado ao universo. (…) Este evento, que em importância ultrapassa todos os outros, até mesmo a desintegração do átomo, teria sido saudado com a mais pura alegria não fossem as suas incômodas circunstâncias militares e políticas. (…) A reação imediata, expressa espontaneamente, foi alívio ante o primeiro ‘passo para libertar o homem de sua prisão na Terra’. E essa estranha declaração, longe de ter sido o lapso acidental de algum repórter norte-americano, refletia, sem o saber, as extraordinárias palavras gravadas há mais de vinte anos no obelisco fúnebre de um dos grandes cientistas da Rússia: ‘A humanidade não permanecerá para sempre presa à terra’. (…) A banalidade da declaração não deve obscurecer o fato de quão extraordinária ela é (…) ninguém na história da humanidade havia concebido a terra como prisão para o corpo dos homens (…). Devem a emancipação e a secularização da era moderna, que tiveram início com um afastamento, não necessariamente de Deus, mas de um deus que era o pai dos homens no céu, terminar com um repúdio ainda mais funesto de uma terra que era a Mãe de todo os seres vivos sob o firmamento? A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço ou artifício. O mundo – artifício humano – separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem-se esforçando por tornar ‘artificial’ a própria vida (…). O mesmo desejo de fugir da prisão terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida (…) e talvez o desejo de fugir à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração da vida além do limite de cem anos. Esse homem do futuro, que segundo cientistas será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada – um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. [2]

Infelizmente, todas essas maravilhas que maravilham um homem desejoso de escapar dessa condição humana, foram utilizadas para a guerra, a discriminação e o controle dessa rica aventura da humanidade sobre a Terra. O pequeno objeto foi cercado de atenção e empalidecimento intencional, mas certamente foi um feito extraordinário. Uma década depois, como veremos, feitos ainda mais extraordinários para a humanidade seriam noticiados pelo mundo com a instantaneidade de um raio.

Mas, cerca de apenas uma década antes, nessa corrida estratégica, militar e tecnológica, que é também econômica, ocorreram fatos que àquelas alturas já se queria que fossem relegados ao esquecimento. Marcas sangrentas da construção dessa mesma tecnologia, que o também atento Stanley Kubrick (1928-1999) registraria no extraordinário Dr. Fantástico [3], filme de 1964. Recuemos pouco mais que uma década em relação ao momento em que Hanna Arendt observava a condição humana, no trecho acima .

Um dos maiores genocídios de que temos notícia na humanidade se perpetuava destinado a jamais ter a atenção que exigiria, se houvesse uma base ética e conscienciosa nesta sociedade da Aldeia Global [4] em formação. Um poder que até então só se atribuíra a anjos (Gn19 [5]), estava agora nas mãos de uma única nação. Povo de guerreiros brutais, como indicam seus filmes, enquanto se julgou a única a deter tal poder, não hesitou ante a arrogância e impiedade inclemente de utilizá-lo.

Nos dias 06 e 09 de agosto de 1945, com apelidos dados aos artefatos tecnológicos como se fosse uma brincadeira, foram assassinados cerca de 300.000 civis indefesos. Mas isso não foi considerado pelas cortes internacionais um crime, e sim um ato de guerra. Em março daquele ano, Tóquio havia sido bombardeada, estimando-se 80.000 mortos [6]! O que demonstra que não era a capacidade de destruição por armas “convencionais” o que estava em jogo. O primeiro artefato foi lançado por volta das 8 horas da manhã, sobre uma cidade entretida em seus afazeres e ansiedades da rendição já certa. O tempo passou, e olhamos à distância, como se nunca houvesse acontecido.

Bomba atômica, lançada primeiro em Nagasaki, a 6 de Agosto de 1945 fora irresponsavelmente apelidada de “Little Boy”, lançada do B-29 “Enola Gay” (de 18 km de altura). A 9 de Agosto a “Fat Man” foi lançada pelo B-29 “Bock’s Car” sobre Nagasaki, cuja explosão foi registrada por Charles Levy de um dos B-29 utilizados no ataque.
Fonte: archives.gov/research/military/ww2/photos/images/ww2-163.jpg↑ National Archives image (208-N-43888). Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/II_Guerra_Mundial↑ acesso em 06/08/2005, 09:00!!!!!!.

No dia 07 de agosto de 2005, havia 60 anos daquele evento vergonhoso, a Folha de São Paulo publicou matérias discutindo, pasmem, o acerto ou não do lançamento das bombas estadunidenses sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945 [7]. As matérias na página precedente, em tom compensatório, aproveitavam para lembrar as atrocidades militares dos japoneses contra coreanos e chineses, em décadas anteriores. É como se uma atrocidade justificasse a outra, e os tribunais de guerra entenderam assim: jamais foram responsabilizados os mandantes dos massacres promovidos pelos EUA, embora militares japoneses tenham sido enforcados.

Estranha a reportagem do jornal, no mínimo. Não há margem para acerto em atitudes desse tipo, mas pela imprensa ficamos sabendo que a maioria (57% [8]) dos estadunidenses ainda aprovava o bombardeio atômico no Japão (apenas 38% o reprovavam [9])! Com o desenvolvimento da mesma tecnologia pela União Soviética, a partir de 1949, o mundo mergulhou em uma enorme ansiedade quanto à sua perspectiva de continuidade, e, por que não, quanto à sua sustentabilidade, assentada em um delicado equilíbrio político e militar, representado com imensa ironia em “Dr. Fantástico”, citado acima.

Em janeiro de 1937, o governo espanhol fez uma encomenda a Picasso para o pavilhão da Espanha na Exposição Internacional de Paris, que aconteceria em junho. A 26 de abril de 1937, a cidade basca de Guernica foi bombardeada por aviões da força aérea alemã, aliada do general Franco na Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O massacre inspirou o Guernica, de Picasso. No entanto, uma das pinturas mais famosas do século XX, parece emudecer diante do que haveria para ser dito de Hiroshima e Nagasaki.
Atualmente está no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madrid na Espanha, reproduzimos um painel feito em Guernica, foto de Papamanila, 10 Disponível em commons.wikimedia.org/wiki/File:Mural_del_Gernika.jpg acesso em 27/02/2016.

Talvez prefiramos lembrar de uma imagem mais alegre de nós mesmos. A Terra é azul [11], uma imagem alegre de nós mesmos. Em 1961, pela primeira vez, um homem viu seu planeta de fora. Foi bem mais do que isso, o que já não é pouco. Recuperemos as datas: 1945, 1957 (1961), 1968. Tenho o costume dizer a meus alunos que estas últimas gerações viram um mundo que nenhum homem, antes do final do século 20, poderia sequer supor real. Mas não é uma “Nova Era” de Aquários, é um mundo em que tecnologia e barbárie não se distinguem, apesar da inteligência sobre as coisas da natureza de que nos julgamos dotados.

Homem andando na lua, lembrando o slogan “daqui nada se leva senão lembranças, nada se deixa senão pegadas, nada se tira senão fotos”, mas na Lua, além de pegadas e refugos, deixou-se uma bandeira. 21 July 1969, “el astronauta Buzz Aldrin, piloto del módulo lunar, camina sobre la superficie de la Luna cerca de la pata del módulo lunar (LM) Eagle durante el paseo lunar del Apolo 11 (EVA). El astronauta Neil A. Armstrong, comandante, tomó esta fotografía con una cámara de 70mm. Mientras los astronautas Armstrong y Aldrin descendieron en el módulo lunar (LM) Eagle para explorar la región del Mar de la Tranquilidad, el astronauta Michael Collins, piloto del módulo de mando, se quedó con los módulos de mando y servicio (CSM) Columbia en la órbita lunar”.
Fonte .hq.nasa.gov/alsj/a11/AS11-40-5903HR.jpg e .archive.org/details/AS11-40-5903 (TIFF image). Disponível em commons.wikimedia.org/wiki/File:Aldrin_Apollo_11_original.jpg acesso em 27/02/2016. “This image is a JPEG version of the original TIFF image at File: Astronaut Edwin Aldrin walks near the Apollo 11 Lunar Module (1969-07-21).tif. This JPEG version should be used when displaying the file from Commons, as the MediaWiki software is unable to create a thumbnail or preview of the original TIFF file, because it is larger than 50 megapixels. However, any edits to the image should be based on the original TIFF version in order to prevent generation loss, and both versions should be updated. Do not make edits based on this version”.
Também de 1968 é o “2001: A Space Odyssey” filme que inovou o roteiro da ficção científica, com um realismo tecnológico na ambientação das cenas e inúmeras implicações filosóficas intencionais, que permanecem em aberto pela sugestão das imagens, embora sugira um contínuo evoluir da humanidade, motivado por saltos que não se podem explicar (representado pelo monolito). Filme anglo-americano, dirigido e produzido por Stanley Kubrick, co-escrito por Kubrick e Arthur C. Clarke. Data de lançamento: 29 de abril de 1968 (Brasil). Continuação: 2010: O Ano Em Que Faremos Contato. Música composta por: Richard Strauss, György Ligeti, Johann Strauss, Aram Khachaturian.
Disponível no Bolgue de José Bruno Ap Silva, Sublime Irrealidade, onde se lê uma boa resenha do filme, em sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/11/2001-uma-odisseia-no-espaco.html acesso em 10/02/2016

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______________________
notas
1 Atualização parcial do texto base do memorial apresentado na Livre Docência em 2010, elaborado a partir de reelaboração crítica de texto de 2005.

2 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 2004 (1958) pg. 9

3 Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, filme anglo-americano de 1964, filme no qual Peter Sellers recebeu US$ 1 milhão e a voz de Darth Vader ainda é James Earl Jones no papel do tenente Lothar Zogg.

4 “Aldeia Global é um termo criado pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan, com o intuito de indicar que as novas tecnologias eletrônicas tendem a encurtar distâncias e o progresso tecnológico tende a reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados.[1] A expressão foi popularizada em sua obras “A Galáxia de Gutenberg”(1962) e, posteriormente, em “Os Meios de Comunicação como Extensão do homem”(1964).” Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Aldeia_Global↑ acesso em 27/02/2016. Entre meados de 1960 e meados de 1970 McLuhan (1911-1980) despertou grande interesse, unindo aspectos da contracultura e do pop com as tecnologias contemporâneas na sociedade de consumo, preconizando com certa empolgação suas possibilidades comunicacionais.

5 “Então o Senhor, da sua parte, fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra. E subverteu aquelas cidades e toda a planície, e todos os moradores das cidades, e o que nascia da terra”. Gn 19.24,25. Aqui temos um julgamento divino. O que acontece quando uma nação sente-se no lugar de Deus, decidindo a vida e a morte?

6 A Folha de São Paulo, 06/08/05, p. A6, menciona que morreram 140.000 a 237.000 pessoas só em Hiroshima (70.000 no ato segundo o mesmo jornal, 07/08/05, p. A24, os demais em poucos meses).

7 Na edição de 07 de agosto de 2005, há uma estapafúrdia matéria assinada por RBN com o título “Persiste debate sobre a necessidade da bomba”, na qual a catástrofe é tratada como uma “polêmica”, em que o autor diz que para entender o que aconteceu, para além da indignação, seria necessário “tentar compreender a situação real em agosto de 1945”. Mas isso foi uma linha editorial, a página ao lado é inteiramente dedicada às atrocidades, que também aconteceram do Japão contra a China e Coréia.

8 Segundo a Folha de São Paulo, 06/08/05, p. A6.

9 Acesso em diarioon.com.br/arquivo/4149/internacional/internacional-36603.htm↑

10 “The photographical reproduction of this work is covered under the article 35.2 of the Royal Legislative Decree 1/1996 of April 12, 1996, and amended by Law 5/1998 of March 6, 1998, which states that: Works permanently located in parks or on streets, squares or other public thoroughfares may be freely reproduced, distributed and communicated by painting, drawing, photography and audiovisual processes.

11 Declaração de Yuri Gagarin, cosmonauta soviético que se tornou o primeiro homem a orbitar a Terra.


como citar material desta página:
SANDEVILLE JR., Euler. “A Terra azul…Que mundo é esse? 2: conhecer não é preciso…”. Ensino e Pesquisa: A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2016.

[para citar este artigo conforme normas acadêmicas, copie e cole a referência acima (atualize dia, mês, ano da visita ao sítio)]


espiral da sensibilidade e do conhecimento
uma proposta de euler sandeville

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