Cosmogonia ( Física ), D’Alembert : Enciclopédia, ou Dicionário Razoado das Ciências, das Artes E dos Ofícios, 1751-1772

Cosmogonia ( Física ), D’Alembert : Enciclopédia, ou Dicionário Razoado das Ciências, das Artes E dos Ofícios, 1751-1772

 

Cosmogonia é a ciência da formação do universo. Essa palavra é composta por duas palavras gregas, κόσμος , mundo , γείνομαι , eu nasço. Sem se confundir com a Cosmografia, que é a ciência das partes do universo tomado como totalmente formado, tal como o vemos, e tampouco com a Cosmologia, que considera o estado atual e permanente do mundo como totalmente formado, a Cosmogonia considera o estado variável do mundo ao tempo de sua formação. Ver Cosmologia .

Qualquer que seja a maneira como se imagine a formação do mundo, não se devem jamais descartar dois nobres princípios: 1°) a criação, pois como é claro que a matéria não pode engendrar sua própria existência, deve tê-la recebido; 2°) uma inteligência suprema, que presidiu não somente a criação como também o arranjo entre as partes da matéria em virtude do qual este mundo se formou. Uma vez postos esses dois princípios, pode-se dar lugar a conjecturas filosóficas, desde que se tenha o cuidado de não abandonar o sistema que se segue daquele que, como nos indica o Gênesis, foi adotado por Deus na formação das diferentes partes do mundo.

Assim, um cristão deve rejeitar, por exemplo, todo sistema de Cosmogonia em que os peixes existam antes do Sol, pois Moisés nos ensina [293] que o Sol foi criado no quarto dia, e os peixes, no quinto. Mas seria um erro acusar de impiedade um físico que pensasse que os peixes tenham habitado o globo antes do homem, pois está escrito que o homem foi criado por último. O autor de uma gazeta periódica cometeu a tolice de acusar o ilustre secretário da Academia de Ciências de ter dito que os peixes foram os primeiros habitantes do globo, afirmação que se conforma inteiramente ao relato de Moisés.

Outra coisa que se pode sustentar legitimamente, de acordo com o relato de Moisés, é que o caos existiu antes da separação de suas partes, efetuada por Deus.

É inteiramente lícito dizer, com Descartes, que os planetas, e a Terra em particular, de início eram sóis que posteriormente endureceram, pois o relato de Moisés não contraria essa suposição. A Física poderia rejeitá-la, mas a religião a deixa a nossas disputas. É permitido afirmar que a formação deste mundo dependeu apenas do movimento e da diferente combinação das partes da matéria, pois Deus, autor único da matéria e do movimento, certamente não empregou outros princípios no arranjo do mundo; empregou-os, porém, com uma inteligência de que só ele seria capaz, e que por si mesma é uma prova de sua existência. Deve-se, portanto, ser extremamente circunspecto em acusar de irreligião os filósofos que propõem um sistema de Cosmogonia, na medida em que esse sistema concorde com o relato de Moisés; e não se pense que isso seria uma vantagem. No sistema de Newton, por exemplo, uma vez dada a impulsão aos planetas e suposta a atração, o sistema do mundo subsiste exclusivamente em virtude das leis do movimento. Pode parecer, à primeira vista, que esse sistema favoreceria o ateísmo, por não supor outra coisa além da impressão de um primeiro movimento de que todo o resto se seguiria, e por não haver recurso à ação continuada do Ser supremo. Mas o que poderia ter dado esse primeiro movimento, e estabelecido as leis em virtude das quais ele se conserva? Não seria, em todo caso, o Ser supremo? Isso também vale para outros sistemas. A filosofia de Demócrito, que atribuía tudo ao acaso e ao concurso fortuito dos átomos, era ímpia. Mas uma Física que, ao reduzir tudo ao movimento, em diferentes combinações, e a leis simples e gerais, explica a formação do universo é bastante ortodoxa, se começa por reconhecer Deus como o único autor desses movimentos e dessas leis.

Feitas essas observações, não entraremos em detalhes a respeito dos diferentes sistemas dos antigos e dos modernos sobre a formação do mundo, pois são todos hipóteses puramente conjecturais, mais ou menos felizes à medida que se apoiam mais ou menos sobre fatos e sobre as leis da Mecânica. Exporemos os principais no verbete Terra , pois o principal objeto da Cosmogonia é a formação do globo habitado por nós.


d’ALEMBERT, Jean le Rond e DIDEROT, Denis. Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios – Volume 3, Ciências da natureza. Organização e Tradução: Pedro Paulo Pimenta e Maria das Graças de Souza. São Paulo: UNESP, 2015, Cosmologia, pg. 56 a 58.


 

Detalhe do frontispício da Encyclopédie (1772), desenhado por Charles-Nicolas Cochin e gravado por Bonaventure-Louis Prévost. A figura do centro representa a Verdade – rodeada por luz intensa (o símbolo central do iluminismo). Duas outras figuras à direita, a Razão e a Filosofia, estão a retirar o manto da Verdade. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Frontispício_(livro) acesso em 14 de abril de 2020.

 

 

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