O dilema de cronos (2017)
Euler Sandeville Jr.
20/07/2017
como citar:
SANDEVILLE JR., Euler. “O dilema de cronos (2017)“. A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2017. Disponível em http://anaturezaeotempo.net.br/2018/06/15/o-dilema-de-cronos/ acesso em DIA/MÊS/ANO.
Esta seção deve problematizar o tempo. Ou melhor, o modo como lidamos com a ideia de tempo. O tempo é inerente à nossa visão da natureza e do mundo, mas nem sempre foi, como diria Robert Lenoble a respeito da ideia de natureza, o mesmo. Nem todas as épocas conceberam o tempo do mesmo modo, nem o fizeram do mesmo modo os homens a cada época.
A experiência pessoal se constrói em tempos e temporalidades que se embrenham pelo sensível e pelo intelectivo (ambos e não apenas um compõem nossa dimensão cognitiva), pelo aprendizado e pela memória, na ansiedade e na realização, pelo modo como a cada momento nos distraímos e nos concentramos: nossa percepção do tempo nem sempre usufrui o tempo do mesmo modo. Passado, presente e futuro estão embrenhados, e ao revisitá-los pensamos em organizar o vivido em fases ou períodos, e reconhecer tendências, tanto quanto a esquecer. Daí A Natureza e o Tempo (o Mundo).
Nos estudos acadêmicos não há um tempo objetivo, por mais que se apresente como tal uma datação, uma cronologia ou um determinado período da história, não raro dissociando tempo e espaço. Tempo e espaço estão embrenhados, a existência de um implica a existência de outro, mas não raro aprendemos a autonomizá-los. Problematizar o tempo do nosso entendimento do presente e do passado é portanto uma possibilidade de refletirmos sobre o modo como, enquanto sociedade, grupos e indivíduos, nos concebemos e localizamos no mundo. Daí A Natureza e o Tempo (o Mundo).
O tempo é inexorável, em sua finitude que parece não ter fim sempre nos superando. Recusamos a passagem do tempo, ou esperamos deixar as marcas de nossa passagem nele. Nossa sociedade tende a nos apresentar o tempo como o horizonte da existência, o que significaria ter a morte como seu termo e a consciência como um acidente. Paradoxalmente, ainda quando pensando assim, como que nos apegando ao imediato inexorável da existência segundo essa concepção, e contraditoriamente desejando prolongá-la, queremos deixar nossa memória registrada para os que ficam sob o sol.
Outras sociedades intentaram vencer a morte enterrando com o morto os signos de sua vida, em alguns casos com pessoas que se considerava a ele subordinadas. Outros, viram na vida e na morte ciclos que retornam sem fim ao tempo. Outros ainda viram na possibilidade de ressurreição a superação do tempo, de modo que o tempo não define a existência, que o transcende.
Tentamos enganar a morte e superar o tempo, como no magnífico filme de Ingmar Bergman, “O Sétimo Selo” (1956, lançado no Brasil em 1959). Vida e morte parecem integrar toda a concepção de natureza, e o tempo e o espaço a ambiência em que se desenrolam essas possibilidades. No enredo, o cavaleiro Max von Sydow (Antonius Block), após retornar de uma cruzada e encontrar a Europa devastada pela peste, defronta-se com a Morte (Bengt Ekerot). Na cena abaixo, ele e a Morte jogam uma partida de xadrez, artifício através do qual espera conseguir enganá-la e prolongar sua vida, mesmo em meio ao cenário de desolação que encontra ao retornar das inumeráveis lutas em um local distante ao seu mundo conhecido, que já não lhe é mais familiar.

O modo como respondemos ao tempo integra a construção de significados de como nos entendemos como sociedade, e de como projetamos nossas possibilidades na descoberta contínua de nossa existência. Não vi melhor forma do que começar esta seção senão com as duas imagens abaixo, em que a força da representação, a permanência e a passagem do tempo com seu apagamento e resquícios podem ser um convite à nossa reflexão.
Zeus (Ζεύς) era, para a mitologia grega, o mais poderoso dos deuses, com a autoridade sobre os deuses olímpicos, após destronar seu terrível pai, ninguém menos do que Cronos. Cronos era o deus do tempo que a tudo devora, de modo que derrotá-lo dá uma medida de seu poder:
Cronos casou com a sua irmã Reia, que lhe deu seis filhos (os crónidas): três mulheres, Héstia, Deméter e Hera e três homens, Hades, Posídon e Zeus. Como tinha medo de ser destronado por causa de uma maldição de um oráculo, Cronos engolia os filhos ao nascerem. Comeu todos, exceto Zeus, que Reia conseguiu salvar enganando Cronos ao enrolar uma pedra em um pano, a qual ele engoliu sem perceber a troca.
Quando Zeus cresceu, resolveu vingar-se de seu pai, solicitando para esse feito o apoio de Métis – a Prudência – filha do titã Oceano. Esta ofereceu a Cronos uma poção mágica, que o fez vomitar os filhos que tinha devorado. Então Zeus tornou-se senhor do céu e divindade suprema da terceira geração de deuses da mitologia grega, ao banir os titãs para o Tártaro e afastar o pai do trono. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Cronos
O escultor Fídias esculpiu Zeus sentado num trono. Na mão direita levava a estatueta de Nike (que ainda não era a Nike, Inc. fundada em 1964 por Bill Bowerman e Phillip Knight), deusa da Vitória; na esquerda, uma esfera sob a qual se debruçava uma águia. Media de 12 a 15 metros de altura, revestida de marfim, ébano, ouro e pedras preciosas. Infelizmente, a maior parte das obras de Fídias não resistiu ao tempo… Também foi o caso do seu Zeus, que não sobrepujou o tempo: transferida para Constantinopla (Istambul) em 420, pelo imperador Constantino, foi destruída por volta de 475 (século V d.C.).
Bem vem ao caso esse Zeus, sobrevivente poderoso que na mitologia sobrepujou Cronos, mas no mundo dos vivos foi devorado, como tantas obras das nossas paixões e sabedoria.

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